Asterix e Obelix: Missão Cleópatra,
de Alain Chabat

Asretix et Obelix: mission Cléopâtre, França, 2002


A despeito de uma convincente ambientação e caracterização de personagens, além de uma fidelidade aos quadrinhos de Goscinny e Uderzo, faltou a Asterix e Obelix contra César, a primeira aventura de Asterix a ser transposta ao cinema com atores de carne e osso, uma certa leveza que justificasse o filme como algo além da mera curiosidade. Boa parte desta relativa frustração pode ser creditada à direção pouco inspirada de Claude Zidi, veterano burocrata do cinema comercial francês. A opção do roteiro em misturar a estrutura básica do primeiro álbum (Asterix, o gaulês) a episódios retirados de outras aventuras (Asterix legionário, O adivinho, O combate dos chefes) também resultou em uma certa salada na qual diversas situações e personagens pareciam ser jogados na tela, mas não explorados a contento. Apesar do grande sucesso na França, decorrente principalmente da popularidade do personagem, quase um símbolo do país, acredito que boa parte dos fãs de Asterix e Obelix tenham encarado o filme como um dever cumprido com alguma correção, mas sem brilho ou criatividade.

Seria natural que Asterix e Obelix: missão Cleópatra fosse recebido com um certo pé atrás. Surpreende então que, mesmo ainda dentro das limitações de um espetáculo que se pretende como popular a qualquer custo, este segundo filme tenha superado em boa parte os defeitos do anterior, e, apesar de ainda longe da excelência atingida pelos quadrinhos, tenha se configurado em uma boa e divertida comédia, com a necessária agilidade narrativa, sem abrir mão de uma extrema fidelidade ao original. E para esta reviravolta não podemos deixar de destacar a oportuna aquisição do diretor Alain Chabat para a condução do filme, sem que esqueçamos que a série Asterix no cinema é, acima de tudo, um projeto do produtor Claude Berri .

Chabat (visto recentemente por aqui como um dos seguranças em O gosto dos outros), apesar de uma curta carreira como cineasta, consegue transpor ao filme sua longa experiência como comediante na TV e cinema franceses, fornecendo a Missão Cleópatra um clima de descontração e, por vezes, deboche, que não se faziam presentes na fita de Claude Zidi. Esta diferença de tom entre os dois filmes pode ser exemplificada de forma bastante evidente através do trabalho do mesmo Chabat como ator que, ficando encarregado do personagem Julio César, concede ao imperador romano uma evidente malandragem e oportunismo, diametralmente opostas a uma pompa e afetação quase homossexuais imprimidas pelo ator alemão que o havia interpretado anteriormente.

Talvez o maior mérito do filme de Chabat se deva ao fato de ser uma transposição quase literal do livro Asterix e Cleópatara, na qual a ação não é complementada por passagens de outras obras, mas sim pela inclusão de situações pertinentes e principalmente fiéis ao espírito de sua matriz. Assim, da mesma forma que o leitor/espectador se satisfaz com uma eficiente e engraçada encenação de episódios exemplares como Obelix subindo na esfinge, o bolo envenenado, e, obviamente, romanos e piratas entrando na porrada, também não sentirá qualquer deslocamento na inserção de personagens como a líder escrava Celularis (que aproveita a popularidade conquistada pela atriz Isabelle Nanty em Amelie Poulin) ou de sequências como a luta de kung-fu entre Numerobis e Timetamon, uma sátira a O tigre e o dragão que se encaixa perfeitamente dentro de uma linha de paródia a produtos culturais que sempre esteve presente na obra de Goscinny e Uderzo.

Asterix e Obelix: missão Cleópatra consegue, em boa parte, se configurar como não somente um filme, mas quase um desenho animado com atores e cenários reais, característica à qual o exemplar anterior ambicionava mas da qual não se aproximava. Guarda também em comparação a seu antecessor a vantagem de não contar com o abjeto Roberto Benigni (se bem que Jamel Debouze também não seja lá grande coisa). E que me perdoem Claudette Colbert, Vivien Leigh e Elizabeth Taylor, mas Monica Belucci é a mais deslumbrante Cleópatra da história do cinema. Por isso, o filme deixa no ar a esperança de uma fórmula que pode ser ainda mais aperfeiçoada caso a linha por ele definida venha a ser seguida pelas próximas adaptações. Haja visto o retorno de público, ainda maior que o do filme de Zidi, a série deve continuar, e Asterix nos jogos olímpicos, O domínio dos deuses e principalmente O escudo arverno poderiam resultar em ótimos filmes.

Por outro lado, o estrondo de bilheteria na França poderia suscitar um questionamento quanto ao fato da resistência oferecida pelo filme ao produto americano se deva ao fato deste seguir uma fórmula similar à rotina oferecida por Hollywood, como a fidelidade a um produto consagrado, atores populares e a repetição em série de uma fórmula. Sendo assim, quais seriam as diferenças entre os filmes de Asterix e os do Homem Aranha, por exemplo? Mas isso são outros quinhentos sestércios.

Gilberto Silva Jr.