As Horas,
de Stephen Daldry

The hours, EUA, 2002


Determinados filmes parecem ser considerados não por seus méritos cinematográficos, mas por aquilo que pretendem representar ou por um contexto temático que os envolve. Vejamos o caso de As Horas: adaptação de um romance premiado e considerado de difícil transposição cinematográfica, romance este referente a outra obra literária clássica (Sra.Dalloway) de um autor de renome (Virginia Woolf). A história envolve três narrativas paralelas em épocas diferentes, abraçando uma série de temas que podem ser considerados "nobres" ou "respeitáveis" como: mulheres oprimidas, dilemas amorosos e existenciais, artistas em crise, homossexualismo masculino e feminino e até mesmo doenças como depressão e AIDS. Parece um inventário do politicamente correto, só faltando a presença de minorias raciais. O pacote é ainda embalado pela escalação de um elenco liderado por três atrizes respeitadas, cercadas por nomes de talento reconhecido em pequenos papéis.

É assim que este filme dirigido pelo inglês Stephen Daldry e contando três histórias em épocas diferentes que se interligam, e de certa forma reproduzem a linha narrativa do livro Sra. Dalloway, que trata de um dia crucial na vida de sua protagonista, vem sendo recebido mundo afora como uma obra sensível e emocionada. Só que uma análise mais fria e detalhada revela uma série de defeitos e obviedades que comprometem sobremaneira seu resultado final. Como a forma forçada e simplória como se dão as ligações entre os três episódios, que pode ser exemplificada pela seguinte sequência: na Inglaterra dos anos 1920, Virginia Woolf (Nicole Kidman) escreve: "A Sra. Dalloway falou: ‘Comprarei eu mesma as flores!’"; em Los Angeles na década de 1950, Laura Brown (Julianne Moore) lê esta mesma passagem; em Nova York na época atual, Clarissa Vaughan (Meryl Streep) diz ela a mesma frase. E, desta forma, vão sendo mostradas através de uma série de pontos em comum as histórias destas três mulheres, em dias nos quais seus dramas individuais atingem uma intensidade climática. Só que tudo é feito sem qualquer sutileza, contando com uma dramaticidade excessiva que em determinados momentos torna-se um tanto quanto desagradável. Não faltam frases de efeito, lições de vida ou até mesmo o batido recurso de uma surpresa no final.

Me parece até certo ponto inexplicável o reconhecimento e a receptividade com os quais um diretor de recursos tão parcos como Stephen Daldry vem sendo acolhido ao longo de sua curta carreira. Se uma fita boboca e previsível como Billy Elliot pode até ser encarada como uma diversão simpática e despretensiosa, As Horas, com toda sua pompa, circunstância e senso de obra de arte, não se sustenta como tal quando avaliada enquanto narrativa cinematográfica. Além dos problemas apontados no parágrafo anterior, saltam aos olhos as limitações de Daldry no que se refere à composição de planos e sequências. Parece que para ele o ato de filmar se reduz a pouco mais que uma série redundante de imagens em campo-contracampo. Além disso, não demonstra saber fazer o uso devido da trilha composta por Phillip Glass. Se esta se sustenta individualmente como uma bela peça musical, contando uma vida própria, quando associada às imagens parece por vezes imprensá-las, mostrando-se mais intensa que o filme em si.

Com seus defeitos e limitações, As Horas só não se configura como um filme de todo ruim porque o roteiro de David Hare consegue amarrar as histórias com alguma competência, de forma a sustentar o interesse durante a projeção. Aliado a este fato, temos a qualidade do trabalho do elenco. Se Meryl Streep pouco faz para posicionar sua Clarissa num estágio diverso da grife que construiu para si ao longo de sua carreira, Nicole Kidman compõe sua Virginia com bastante eficiência, sem deixar que a pesada maquiagem lhe carregue ao exagero ou ridículo. Julianne Moore, talvez a melhor atriz americana de sua geração, dá uma vida tão grande à atordoada Laura que consegue fazê-la se impor acima daquele que é o mais equivocado dos três episódios. E naquele que deveria ser um filme de atrizes, temos o sempre bom Ed Harris roubando os poucos minutos nos quais aparece e superando as características batidas de seu personagem.

Gilberto Silva Jr.