Após a Reconciliação,
de Anne-Marie Miéville

Après la réconciliation, França/Suiça, 2001


Conversação ou entrevista? Palavra ou discurso? Imagem ou vazio? Reconciliação? Talvez. O que importa neste filme de Anne-Marie Miéville, talentosa cineasta, mulher e roteirista de Jean-Luc Godard, é o caminho, a tentativa. Homem e mulher vivem uma crise em seu relacionamento. O caminho para a reconciliação é doloroso, passa pela palavra ou, mais especificamente, pela interpretação da palavra. Ou pelo silêncio. Choroso silêncio que pode dizer muito, mas pela ausência da palavra que precisava ser dita. A mulher implora pela frase certa, mas o homem não consegue dizê-la. A reconciliação certamente virá, mas não a veremos. Na verdade, é bem possível que já tenha vindo, mas nenhum dos envolvidos percebe. Momentos positivos são encobertos por pequenos momentos negativos, que precisarão se esvanecer para que seja possível uma reaproximação. A dor de se amar sem saber como. O medo da unilateralidade no amor.

O que a cineasta nos propõe, neste filme admirável, é muito menos uma reconstituição de um processo de enfrentamento de um casal com suas diferenças do que uma inteligente reflexão sobre o significado das coisas, dos gestos e...do discurso. Fala-se muito no filme e as palavras vão adquirindo novos sentidos à medida em que vemos a reação do outro. Os olhares que reagem e dialogam no silêncio são a afirmação de que estamos vendo cinema puro. E não teatro filmado, como muita gente diz ao final da sessão. Quando Miéville radicaliza, escondendo os olhares dos personagens, envoltos em sombra, permite que o espectador intua as reações de acordo com seu próprio aprendizado sobre as personagens envolvidas.

São quatro personagens: a mulher (Miéville), Robert (Godard), Cathos e Arthur. Com ótimos diálogos, vemos um casal se digladiando verbalmente enquanto um outro se forma. O casal principal é formado por Godard e Miéville. Não sabemos em que medida o filme representa o discurso deles próprios. De qualquer forma, essa hipótese não deve ser descartada. Enquanto há apenas o casal principal e Cathos, esta funciona como uma mediadora, filtrando as farpas intelectualizadas e devolvendo-as, ora provocativamente, ora buscando o entendimento. Miéville deixa claro essa função de Cathos quando, num quadro, a única pessoa que aparece inteira é ela, em outro é a única que está em foco.

Quando a mulher (Miéville) sai para comprar cigarros, Cathos passa a representar o perigo da infidelidade. Ela se insinua para Robert, apesar de suas advertências de que está cansado. Nesta altura temos um diálogo brilhante, que nos fornece importante pista sobre o que a cineasta quer dizer. Cathos diz que Tolstoi cavalgava o dia inteiro e ainda aguentava transar. Robert responde que já havia dito que não gostava de cavalos. Ora, isso nunca seria uma resposta desanimadora e para se levar a sério, não fosse o truque embutido, que impede a percepção imediata. O significado não é atingido pela personagem e pode ser: "Quero transar com você, mas não gosto de cavalos" ou "Você está perdendo seu tempo" ou "O que diabos os pobres cavalos têm a ver com isso?". Cathos interpreta a frase como uma negação, não pelo que é dito em si, mas pelo que ela julga querer dizer. Sua interpretação foi condicionada por outras negativas. Esse jogo de significados se repete durante todo o filme.

Quando o viajante Arthur entra em cena, inicia-se uma discussão sobre as diferenças entre a viagem mental, preferida por Robert, e a viajem física, que, na sua ótica, não serve para a alma. Robert envolve todo o grupo com sua retórica. Todos começam a se agredir, provocando o afastamento de Arthur, aparentemente humilhado. Era apenas um jogo que afugentou o mais frágil no uso das palavras. Miéville envolve os personagens com muita habilidade e os usa para discutir as possíveis interpretações de um discurso, ou de um gesto. Quando Robert chora, ela o consola, mas implora pela frase redentora. Mas Robert é incapaz de dizê-la, por sua condição emocional, e pelo temor do excesso. Seu choro já continha o significado.

Não conseguimos evitar a comparação entre seu estilo cinematográfico e o de seu marido, Godard. Vemos o mesmo cuidado pela fotografia. O mesmo cuidado com o enquadramento. A mesma preocupação em não dar trégua ao espectador, em fazê-lo pensar o tempo todo. Mas seu cinema lembra mais o de outro mestre, Rohmer e seus contos morais. Impossível esquecer Ma Nuit Chez Maud e suas reflexões sobre a interpretação de Pascal.

Ao mesmo tempo em que permite essas associações, Miéville apresenta uma poesia visual pouco comum em cineastas franceses, como na cena em que as duas mulheres chicoteiam o ar, num picadeiro de uma arena vazia. Essa originalidade de Miéville, juntamente com a lembrança de que seu curta que acompanhava Je Vous Salue Marie era, para muitos, melhor que o próprio longa, nos impõe a constatação de que o vínculo conjugal da diretora é um mero detalhe.

Sérgio Alpendre