A Partilha,
de Daniel Filho


A Partilha, Brasil, 2001

Há algo a se dizer em favor de A Partilha. É o fato evidente de que agradará bastante a alguns, e isso é certamente algo significativo, assim como já aconteceu com o produto anterior da Globofilmes, O Auto da Compadecida. Notar e mesmo criticar a origem televisiva de sua concepção seria um pouco chover no molhado. Mais importante e complicado será admitir que há sim um interesse de muitos por produtos cinematográficos próximos da estética televisiva. Podemos nos posicionar contra essa tendência ou a favor, com ou sem reservas, cada um a seu critério. O que não é possível é negar a legitimidade de uma opinião coletiva que espera ver filmes "com a mesma qualidade das novelas".

Diante disso, podemos julgar A Partilha pelo critério a que se propõe, um filme com o padrão Globo de qualidade. Sob esse aspecto podemos então entender a empatia que o filme pode estabelecer com outros espectadores, seja porque estes passam por situações semelhantes, uma vez que o filme fala de um tema comum à classe média, seja apenas porque o filme se deixa ver, com rostos familiares para qualquer casa que tenha uma televisão.

Mas o fato é que mesmo dentro desse critério o filme não ganha brilho, seja pela mão pesada nas seqüências sem diálogo, não existentes na peça, seja pela incapacidade de surpreender da dramaturgia original. A intenção de "falar ao coração" do espectador não funciona justamente por sua falta de sutileza.

A discussão mais complicada que nos proporciona essa Partilha está fora da tela, e trata do modo de produção do filme. Será que os filmes produzidos pela superpoderosa rede de televisão devem ter o apoio de leis e patrocínios? Será que teremos novos filmes ou isto é uma tentativa efêmera? Como será então o formato de produção de possíveis novos produtos? Há a possibilidade do monopólio na rede televisiva se estender à área de produção cinematográfica?

Estas dúvidas estão fora da tela, mas moldarão muitas opiniões a priori. A Partilha, no entanto, está desprovida do encanto que possibilitaria transformar idéias e avançar nas propostas. Fica como exemplo evidente de que a falta de coragem e originalidade e o mau gosto que imperam na televisão brasileira podem sim se fazer mostrar no cinema através da sua mais poderosa e simbólica representante. É pena. Há, sim, alguns momentos em que percebemos os consideráveis talentos envolvidos no projeto. Mas a lembrança que fica, se houver, remete muito mais a um produto de uma mega-estrutura ainda incipiente.

Daniel Caetano