A Nuvem,
de Fernando Solanas


La Nube, Argentina, 1998

A Nuvem não é exatamente um filme. É um grito. É um anacronismo. É do tempo em que acreditava sim que o cinema ia mudar o mundo, é do tempo em que se acreditava sim que os melhores filmes eram feitos desavergonhadamente em primeira pessoa. É do tempo acima de tudo em que se tinha pelo mundo e pela arte uma postura apaixonada, não distanciada e cínica. Chega a ser difícil analisar friamente um filme como este, pois não é para isso que ele se presta. Ele deve ser, antes de tudo, sentido. Impressiona pela extrema humanidade de que é feito. Tem muito mais dúvidas e inquietações do que certezas a apresentar. É, portanto, humano.

Talvez sua grande qualidade, especialmente se posto ao lado da produção brasileira atual, é sua capacidade de falar do hoje, de discuti-lo. Falar com revolta, mas com paixão. É filme de quem ama estar vivo apesar da situação do mundo não dar motivos aparentes para tal "desvio". O filme nasce deste paradoxo, e com ele vive tranqüilamente, sua maior qualidade. Sabe (e deixa claro nos diálogos) que não tem soluções, que não tem nem certeza dos problemas. Mas sente que há algo errado e tem muita vontade de que o errado vire certo.

Solanas filma lindamente, na batida do coração. O que, neste caso, é a batida do tango, que embala a câmera em constantes movimentos. Ao filmar a história de uma companhia de teatro, aposta no papel do artista como farol da sociedade. O que grita, o que indica, o que ousa, o que pode ainda fazer algo. Se um artista não acredita na sua posição como sendo esta, vale a pergunta, de que serve a arte. A que Deus mesquinho ela se reporta? A um simples jogo de egos?

A Nuvem, como El vento se llevo lo que, de Alejandro Agresti, mostra uma faceta admirável do cinema argentino. Não são filmes pensados, projetos montados. São feridas abertas, são gritos apaixonados. Não são filmes perfeitos, são filmes errados, irregulares, desconexos. Não são manuais de cinema, são declarações de amor. Falam do que é estar vivo, perdido entre o desespero e a alegria, o orgulho e a vergonha. Num mundo onde a burocracia e a desumanização do dia a dia são crescentes, onde somos tratados como estatísticas, onde "produtores culturais" se canibalizam por migalhas, se prostituem mesmo para donos de fábricas de sabão. É o cinema do desabafo, do "Basta!!", cinema desencontrado. Não é peça de taxidermia. É vivo. Análises cena a cena ficam para depois...

O filme mostra suas próprias contradições e falhas ideológicas, as joga na tela e as enfrenta, confuso. Pede ajuda do espectador para se completar, e esta talvez seja sua grande contribuição. Não existe sozinho, não faz som na floresta deserta, como tantos filmes parecem acreditar poder hoje em dia fazer. Se peca pelo excesso da entrega, isso lá é possível?? É um anacronismo, repito, e por isso mesmo deve ser visto.

Eduardo Valente