Anita
não Perde a Chance,
de Ventura Pons
Anita
no perd el tren, Espanha, 2000
Anita
Não Perde a Chance
dá a impressão o tempo todo de ser um filme desapaixonado.
Entretanto, é sim de digestão lenta, pede reflexão.
Amadurece fora da tela. Com o tempo é que se percebe, em suas entrelinhas,
a força da película.
Anita é uma
mulher que está prestes a completar 50 anos. Esse número
tão redondo, essas bodas de ouro de vida, deveriam ser suficientes
para que ela já conseguisse atingir um certo patamar de sua auto-realização.
Não é exatamente o que ocorre. Ela leva uma vida rotineira,
sem grandes emoções. Está sozinha, à procura
de um companheiro. Tem poucos amigos. Trabalha como bilheteira de um cinema
que está para ser demolido. Mesmo que o filme não explore
a fundo, de maneira panfletária e engajada, aí ele toca
de leve na questão do desemprego, do sumiço das antigas
profissões e da dificuldade que o grupo da terceira idade encontra
para se recolocar no mercado de trabalho dominado por jovens.
Mesmo levando uma
vida pacata, a protagonista ainda sonha em arriscar, como se fosse a última
coisa possível a fazer em sua vida. Começa a alimentar esperanças
de se envolver amorosamente com um maquinista de escavadeira da empresa
responsável por demolir o cinema onde trabalha para erguer um shopping
center no lugar. Trata-se do desejo mórbido de ter para si alguém
que, indiretamente, está destruindo seu futuro. É correspondida,
e ambos passam a manter um secreto affair. É aí que
se juntam os opostos, numa relação mais de cumplicidade
do que de afeto. Anita é o cinema, o universo imaginário.
O condutor é a obra concreta. Anita é o antigo, o operário
é o novo (o ator José Coronado é inclusive mais novo
que Rosa Maria Sardà, a atriz que faz a protagonista). Anita é
a representação dos lugares urbanos onde as pessoas se conhecem.
O operário é a impessoalidade dos empreendimentos high-tech.
Anita é a "bombonière", o trabalhador é o fast-food.
Anita é a metalinguagem saudosista do cinema de rua. O operário
é o multiplex.
Muito embora esse
choque dos opostos externos seja evidente, o que torna o romance dos personagens
um amor impossível são os momentos pessoais distintos pelos
quais ambos estão passando. O operário, casado, não
pretende se separar e arriscar uma nova aventura. E Anita, no fundo, tem
essa certeza também, não se deixa iludir por um recomeço.
Por causa dessa constatação que escurece qualquer esperança
a longo prazo, ambos mantêm um relacionamento consentido e efêmero
baseado em sexo, onde a escavadeira erigida permite uma leitura semiótica
em que se compara a história e o instrumento viril masculino.
Anita Não
Perde a Chance procura fugir dos apelos sentimentais fáceis.
Mesmo se tratando da implosão de um sonho, no caso uma sala de
cinema, o filme evita fazer o espectador mergulhar em lágrimas
como ocorre, por exemplo, em Cinema Paradiso, ou até mesmo
em Splendor. No primeiro, existe todo um preparo cinematográfico
feito para manipular as emoções do público: o cinema
sendo demolido é mostrado em detalhes, bem como as pessoas na praça
acompanhando o "enterro", entra música triste de fundo
e tal. No segundo, mostra-se a decadência desse tipo de estabelecimento
comercial que se vê obrigado a exibir filmes pornográficos.
Em Anita, não há uma coisa nem outra. O filme mostra
o tempo inteiro o buraco arquitetônico, o vácuo geográfico,
a cratera urbana que nada mais é do que a entressafra desses universos
tão contraditórios. Tem-se a impressão de que o filme
é vazio porque o ambiente é vazio, bem como as perspectivas
da protagonista. Não há cartazes antigos em cena, tampouco
bilheterias informatizadas. Apenas a aridez geológica de uma história
que, numa primeira leitura, fala de aproximação. Numa observação
mais detalhada, por mais que se tente construir templos de aglomeração
de pessoas, sobra apenas a conclusão de que o afastamento e o isolamento
social são inevitáveis.
Érico Fuks
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