As
Cinzas de Ângela,
de Alan Parker
Angela's
Ashes, EUA, 1999
O
cinema de Alan Parker pode ser enquadrado em um categoria que poderíamos
chamar de "arquitetura". Ele é um diretor que, tal qual
um arquiteto, fica a meio caminho entre a engenharia (a produção
de bens funcionais, máquinas com algum fim específico, como
faz quase todo diretor do cinema americano de espetáculo) e a arte.
Como um arquiteto, ele geralmente consegue aliar conhecimento (habilidade)
e, digamos, "bom gosto" artísticos à necessidade
de produzir algo funcional. É como um designer italiano, que produz
cadeiras que servem para mais que se sentar nelas, servem também
para serem vistas, ou como um arquiteto japonês ou espanhol, cujos
prédios são, ao mesmo tempo, esculturas. Analisar um filme
de Parker e, então, medir em que ponto da escala entre arte e engenharia
ele se encontra, o que por vezes é um problema. É só
se lembrar que ele fez pelo menos um filme em que essa alocação
é dificultada: Pink Floyd-The Wall, que de fato não
pode ser chamado de "um filme de Alan Parker", mas sim de Roger
Waters, vocalista do grupo inglês.
O
mesmo acontece com Coração Satânico, um filme
que, pelo brilhantismo com que é conduzido, pela fotografia de
Michael Seresin e sobretudo pelo brilhante roteiro (sem se falar em Robert
De Niro, quando ele ainda era ator), poderia estar no meio dessa escala
imaginário que estamos (criminosamente talvez) inventando ou The
Comitments, uma comédia/musical primorosa.
Mas
no caso de As cinzas de Angela (Angela’s Ashes), ele resolveu
deixar muito claro onde está o seu filme: é de engenharia
mesmo. Parker, por algum motivo, resolveu fazer um filme que já
foi feito várias, milhares de vezes. O filme é a mesma historinha
que já vimos em uma lista infindável que talvez possamos
até transformar em um gênero: filme de garotinho de calça
curta. São aquelas histórias sobre famílias muuuuuito
pobres da Inglaterra ou dos Estados Unidos (desta vez, da Irlanda, muito
próximo), em que o pai bebe, a mãe se sacrifica, as crianças
sofrem (e neste aqui, chega a ser doentiamente engraçado o começo
do filme por conta desse sofrimento!). Mas a característica mais
habitual desses filmes é que eles são narrados por um garotinho.
É sempre "o olhar infantil de um menino em sua perda da inocência".
Geralmente o filme tem uma narração em off (e neste
caso o ator que lê é insosso!) e algumas ocorrências
"místicas".
Há
uma marca que se nota e que fica gritante no filme: tudo está sempre
molhado. A umidade parece ser o personagem mais interessante. Apesar das
ótimas interpretações do elenco, sobretudo dos coadjuvantes
(apesar de o casal Emily Watson e Robet Carlyle estarem sempre além
da crítica em qualquer filme que façam), é a água
da chuva e sobretudo a das poças sujas quem rouba o filme. Talvez
seja isso que os críticos habitualmente chamam de "filme burocrático"
(apesar de que nunca vou entender isso!). O que fica dessa impressão
é que Parker adaptou sem muito cinema o livro. Ele já havia
feito isso em Come see the paradise. Mas agora chegou ao extremo,
porque se naquele o déjà-vu acontecia para vários
filmes (Splendor, Cinema Paradiso, até Hiroshima,
meu amor) ele produz o "eu já vi isso" esse mesmo
filme que já foi Vozes Distantes, King of The Hill,
The Butcher Boy, e tantos outros. Parker fez apenas o menos brilhante
da lista, que tem mesmo ótimas realizações no meio
de muito mesmismo.
O
engenheiro foi trabalhar, mas não usou bons instrumentos, fez uma
casa. Pode-se morar nela, mas ela é feia e desconfortável.
Qualquer um que vir a última seqüência do filme (de
uma pieguice ímpar) terá essa nítida impressão.
Alexandre
Werneck
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