Amores Possíveis,
de Sandra Werneck


Amores Possíveis, Brasil, 2001

Então Sandra Werneck achou um bom veio para continuar sua carreira como cineasta. Um bom veio porque dá projeção e visibilidade a seus filmes mas também porque permite um trabalho contínuo, de aprendizado, aperfeiçoamento e trabalho em cima de preocupações, digamos, autorais. Nesse sentido, Amores Possíveis é um bom prolongamento de Pequeno Dicionário Amoroso, seu longa de estréia, e possivelmente o grande ícone do "cinema popular para a classe média" feito na década passada. Numa comunidade de cinema constituída (é melhor falar em "comunidade" do que em "indústria", termo tão problemático), isso passaria sem ser relevado, mas num cinema brasileiro em reconstrução de produção, a própria descoberta de um eixo onde trabalhar já é digna de nota.

Amores Possíveis retoma os personagens exatamente onde Pequeno Dicionário Amoroso uma vez deixara. Claro, os personagens são outros, mais jovens, mas é justamente na separação que o filme tem seu começo: Carlos (Murilo Benício) espera, numa noite chuvosa e angustiante, uma namorada que nunca vem, Júlia (Carolina Ferraz). Depois disso, o filme nos transporta para quinze anos depois, em três situações possíveis: a) depois do bolo, Carlos casou-se com Beth Goulart, vivendo uma vida bem ordenada e morna, sem real desejo; b) casou-se mais tarde com a menina a quem esperava no cinema, mas acabou trocando-a por seu colega de trabalho, Pedro (Emílio de Mello), fazendo de sua ex-esposa uma mulher recalcada e amarga; c) Carlos nunca casou e vive colocando defeitos nas namoradas, evitando qualquer relacionamento sério até que reencontra-se com Júlia, quinze anos depois, e crê que ela seja a mulher de sua vida.

O cinema de Sandra Werneck, mesmo que ela tenha feito duas comédias românticas, tem sua origem exatamente no outro lado da comédia e do romance, ou seja, a separação. É através dela, do relato de uma experiência passada e do efeito que ela tem no presente, que se constrói a narrativa de Amores Possíveis, como também construiu-se a de seu primeiro filme. Esse arremate desesperançoso é o que dá a maior parte de charme a seus filmes, evitando assim a frivolidade recorrente em filmes do tipo (lição aprendida de Nora Ephron?). A preocupação do retrato social, no caso principalmente a colocação no roteiro de um casal homossexual, dá o resto do interesse ao filme, ademais muito bem interpretado, sabendo aproveitar o charme do casal principal.

Mas um pecado ronda o filme como um todo: a falta de ousadia das escolhas estéticas, a escolha por fazer um filme tão "bem acabado", tão sem ambigüidades do ponto de vista da realização, tão "legível" que acaba resultando num filme aguado. Toda ocasião é motivo para o filme lembrar ao espectador exatamente em que história ele está, mesmo que seja com a solução óbvia de colocar inúmeras fotos da esposa (que não era assim tão amada) na mesa do escritório ou utilizar as possibilidades visuais de Murilo Benício (barba, óculos...). Os figurantes estão sempre em roupas inadequadas, sempre limpas demais. Aliás, tudo em Amores Possíveis é realizado para seduzir. Isso poderia resultar num embate estético interessante, como a mania de Wong Kar-wai em estetizar tudo. Mas não: a beleza proveniente de Amores Possíveis se aproxima mais de uma vitrine de loja chique, onde tudo é bem arrumadinho e onde o real não entra. Nesse sentido, até a fotografia de Walter Carvalho, associada a uma direção de arte francamente equivocada, detona o projeto estético do filme, criando ambientes lindos de se olhar mas completamente destituídos de verdade, de naturalidade, logo de beleza... E mesmo os atores, incrivelmente adaptados a seus personagens, não tiveram a possibilidade de despojar seus corpos diante da tela, porque afinal o amor é questão também de corpo e de despojamento. Amores Possíveis, enfim, encontra-se em algum lugar dos dois pontos fixos em que tenta trabalhar: o amor e a lisibilidade de um roteiro por demais amarrado. A pergunta é: pode-se retratar o amor assim?

Ruy Gardnier