Amores Parisienses,
de Alain Resnais

On connait la chanson, França, 1997


Alain Resnais é um cineasta com um número de obras de tamanha importância e vigor (Stavisky, Meu tio d’América, Melo, para não ficarmos nos óbvios Ano Passado em Marienbad e Hiroshima, Mon Amour) que ao primeiro momento um cinéfilo que tenha acompanhado bem sua filmografia tende a subestimar este Amores Parisienses. Algo mais ou menos similar aconteceu à época do lançamento do ótimo Quero ir para Casa. Em comum os dois têm seus pontos de partida aparentemente muito leves, no caso de Quero ir para Casa, os quadrinhos, enquanto neste Amores Parisienses, o ponto de partida é a comédia musical. Ao fazer isso, acaba-se por subestimar muito do que o cinema de Resnais como um todo tem de melhor, este Amores Parisienses, mesmo não estando no nível de um Ano passado em Marienbad, está longe de ser um filme menor. Verdade que pode-se fazer alguns senões ao roteiro de Jean-Pierre Bacri e Agnes Jaoui, não pelo que ele tem de convencional, mas mais pela dificuldade dele de se resolver dentro desta proposta (o personagem de Pierre Arditti, por exemplo, parece estar em outro filme).

O musical é, de acordo com senso comum do cinéfilo dito inteligente, um gênero meio bobo, essencialmente hollywoodiano, do qual se salva um outro filme (Cantando na Chuva, Roda da Fortuna), com suas tramas banais, o artificialismo das pessoas que começam a cantar, etc. Se as coisas fossem tão simples assim, porque é que o gênero parece com toda freqüência mestres como Resnais? Nos últimos anos tivemos musicais de Jacques Rivette (Haus Bas Fragile) e Chantal Akerman (Nuit et Jour) só para ficar nos primeiros nomes que vêem a cabeça. Há algo no formato, na sua artificialidade, na forma como ele permite construir climas que atrai muitos cineastas dispostos a jogar com o cinema. Visto desta forma, parece mais do que natural que cedo ou tarde, Alain Resnais também realizaria um.

O diretor tira melhor proveito do gênero. O filme se apresenta como uma comédia musical sobre o circulo de relações de duas irmãs (Sabine Azema e Agnes Jaoui) construindo o tipo de encontros e desencontros que o gênero convencionou. Num primeiro momento chama a atenção o ótimo uso das locações, especialmente as externas, como se depois da teatralidade dos cenários de estúdio de Smoking e No Smoking, o cineasta estivesse reencontrando o prazer com Paris. Depois, o filme vai ganhando um ar surpreendentemente pesado, nunca deixa de ser é claro uma comédia musical, mas um senso de melancolia e tristeza parece trespassar pela maioria das cenas como se todo o tom leve anterior fosse virado de cabeça para baixo sem ser realmente abandonado. Chega a lembrar nisso Duas Garotas Românticas, o melhor filme de Jacques Demy, um musical tão melancólico que o casal principal (Catherine Deneuve e Jacques Perrin) não permanecia em cena juntos por um único segundo, e ainda assim terminava com um final feliz.

Amores Parisienses acaba finalmente por se revelar como um filme sobre as aparências do cinema. Uma grande bobagem tão bem embalada que acaba enfim por se mostrar um filme sobre esta embalagem e o que ela por fim esconde. Não é a toa que o formato optado foi o dos musicais do inglês Dennis Potter, onde personagens revelam suas verdadeiras opiniões e sentimentos através de musicas conhecidas (e o filme se torna bem mais interessante ao espectador que tem bom conhecimento de música popular francesa). Uma reflexão sobre cinema nada distante de outros trabalhos mais celebrados do cineasta.

Filipe Furtado