American Pie – O Casamento,
de Jesse Dylan


American Wedding, EUA, 2003

Filmes não são apenas suas evidências, mas também seus contextos. Não apenas seus contextos motivadores, mas também os de recepção. E muitas vezes estes impedem, por omissão, uma aproximação com aqueles. Exemplo: ao passar os olhos pela Folha de São Paulo e pelo Estado de São Paulo, edições de 28 de novembro, data de estréia de American Pie – O Casamento, não era possível ler sequer uma linha sobre tal filme. Seria o lançamento em questão indigno de uma análise? Não haveria nele nenhum dado a ser considerado sobre como se articula em relação a seu tempo e sua sociedade? Seu humor não é extraído de representações de certa faixa etária e social, assumindo posturas diantes das mesmas que resulta em olhares merecedores de reflexão? Ou o fato de fazer uso de um humor grosseiro, escatatológico e pastelão retira o filme dos campo de interesse da crítica, que assim abre mão de entender suas opções e como essas opções servem a determinada visão de mundo?

A terceira parte dessa série protagonizada por jovens americanos de classe média deriva em algum grau de parentesco da longa série Porky´s nos anos 80. Naquelas comédias, o universo era parecido. Buscava-se o riso do espectador nas transgressoras ameaças à ordem praticadas, acidental ou intencionalmente, por um bando de moleques com hormônios nos neurônios e uma notável vocação para colocar tudo de pernas para o ar. American Pie, em certo sentido, vai por aí. No entanto, com uma diferença: seus jovens protagonistas não são rebeldes empenhados em dinamitar convenções, mas sujeitos desastrados em sua tentativa de fazer tudo da forma correta, sem nunca conseguir. No fundo, são conformistas, querem ser aceitos. O escracho e os grossos modos, porém, têm sim uma função: a exposição do patético por trás do teatro social ao qual todos eles se submetem de forma dissimulada ou com convicção na necessidade dessa submissão. "Somos todos normais", é a última frase do filme.

O micro-painel sobre esse recorte da juventude, esboçado pelo roteiro e encarnado pelos atores, é sustentado sobre estereótipos unidimensionais. Gira em torno de figuras diante das quais não impõe julgamentos, sem por isso deixar de encará-los com ar de superioridade, embora uma superioridade disposta a entendê-los em suas peculiaridades, como se fossem objetos de estudo de um circo humano. Há um rapaz esforçado em ser responsável, um intelectualzinho entediado com a palermice dos amigos, uma mocinha tão boboca quanto tarada, e um atleta estúpido e sexista com indifarçáveis falhas de caráter. Eles vivem situações em que, mais por conta do sujeito do discurso e menos dos protótipos de personagens, o sexo e a afetividade são banalizados. Também protagonizam cenas nas quais, por força das circunstâncias ou pela força de suas "naturezas", apresentam-se como protocivilizados. Com poucas transgressões possíveis, poucos tabus ainda resistentes, esse é o caminho para seduzir a rebeldia juvenil: chutar o balde.

Para não chocar demais, o roteirista e criador da série Adam Herz, hoje funcionário da Universal, para qual descobre novos talentos do roteiro, atenua a tiração de onda. Porque é preciso, no atual desenho da indústria cultural, esticar os limites sem romper a corda, para a provocação aos bons costumes e ao bom gosto não deixar de ser abrigada embaixo do amplo guarda-chuva dos sistemas de produção e arrecadação. Herz cria diálogos e situações "sensíveis", embalados com música sentimental, mas não esconde o ar zombeteiro, autoparódico, de quem não crê naquela papagaida (assim vista como tal, não que seja), ali posta por conveniência e crença nessa atitude conveniente. Surge dessas opções um punhado de piadas que, quando visuais, revelam a habilidade de Jesse Dylan, filho de Bob Dylan, para filmar humor a partir de ações físicas. O melhor é a horrível imitação de Jim Carrey praticada por Sean William Scott: tão ruim que é risível. Já a comicidade verbalizada é de deixar rostos vermelhos.

Cléber Eduardo