Amélia,
de Ana Carolina
Amélia, Brasil,
2000
O
que há de tão misterioso e cativante em Amélia? O que será que
encanta e parece nos emudecer diante deste filme? Quando se ouve falar
de Amélia, logo aparecem comentários sobre a beleza do filme, do
seu humor, suas personagens e confusões. Mas parece difícil interpretar,
dar significado. Quando tentamos entender o encanto, parecemos nos emudecer
de alguma forma. Há uma ambiguidade na abordagem do tema, uma incerteza
gerada pela própria observação cotidiana.
Ou
não? O tema do filme gira em torno da relação de dois mundos exóticos
entre si, quase incapazes de se comunicar. As rudes senhoras do campo
poderiam ser uma representação por demais simplória dos tupiniquins, e
madame Sarah Bernhardt também decerto não representa plenamente o significado
da cultura estrangeira em nosso país.
No
entanto, é representando de forma tão clara o fascínio pelas musas de
outras terras, o deslumbre de nossa alta sociedade por divas da civilização,
é desta forma que fica mais clara a opção pela nossa rudeza, pela nossa
ingenuidade burra, mesquinha e covarde. O encantamento por madame Sarah,
magnificamente interpretada por Béatrice Agenin, é óbvio, é inevitável.
É o encantamento das velhas que nos surpreende, com uma capacidade de
sinceridade sentimental, para o bem e para o mal, e também com uma covardia
imensa diante do que não é do seu mundo. São as velhas que serão antropofagizadas.
O que acontece é que a gente parece tentar prejudicar tudo ao máximo até
chegar a hora em que não dá pra escapar de se ferrar. A pobre madame Sarah
jamais será a mesma, não se escapa impune daqui. Mas, no fim, leva consigo
os espólios, e não perde a chance de expor ao ridículo as imagens que
guarda daqui.
Talvez
o que nos surpreenda em Amélia é sua capacidade de se expressar
criticamente, e tão acidamente, numa forma tão cômica, risível, alguns
diriam até leve. Não deveria ser surpresa, uma vez que algumas das obras
mais críticas são comédias. Talvez também o que surpreenda seja ver um
filme sendo feito tão dentro dos conformes do atual formato de produção
no Brasil e dar tão certo. Amélia é filme de época, custou caro,
tem atrizes famosas (além da francesa, Mirian Muniz e Camila Amado são
sensacionais, e ainda há uma participação de Marília Pêra), em suma, é
um filme da era da Lei do Audiovisual. E não é um filme covarde. Ao contrário.
Há
muitos problemas no modo de produção, e a receptividade do público a Amélia
mostra que o filme tinha um potencial de exibição muito maior do que o
aproveitado. São agruras da nossa época, ossos do ofício, para usar a
expressão. Mas Amélia é mais um sinal de que há um caminho, um
vão aberto. A posteridade talvez não sirva de nada. Mas Amélia
merece. É um grande filme.
Daniel
Caetano
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