As
Ruas de Casablanca,
de Nabil Ayouch
Ali
Zaoua, Marrocos/Tunísia/França, 2000
Se alguém convida você para ver um filme sobre três
meninos de rua tentando enterrar o corpo de um quarto menino enquanto
andam pelas ruas de Casablanca cheirando cola e enfrentando gangues rivais,
o que se poderia esperar? Alguns desistiriam já de saída
com o velho argumento embolorado de que "a vida já é
muito dura, o cinema serve para nos divertir". Outros, cansados dos
paternalistas filmes sobre "a realidade das ruas", também
teriam pouca vontade de se deslocar até uma sala de cinema para
ver o óbvio colocado na tela.
Pois ambos estariam
perdendo um belíssimo filme. E o que diferencia As ruas de Casablanca
da média dos filmes produzidos com a mesma temática
é conseguir olhar para uma realidade das mais duras e presentes
no (terceiro) mundo moderno, e ao mesmo tempo em que não tenta
maquiar ou embelezar o que não pode ser maquiado ou embelezado,
também não nega a estes jovens a possibilidade do imaginário,
do sonho, do lírico.
Lirismo que não
significa alienação, mas que é aquilo que ainda pode
permitir ao ser humano alguma possibilidade de permanência, e que
o diferencia dos animais irracionais ou do que seja apenas um ser que
sobrevive.
O filme absorve este
lirismo e lida com ele não só na narrativa, mas até
mesmo no seu tratamento estético, sem com isso ir contra sua realidade
extremamente opressora. Ao invés de alterar a realidade com filtros,
óleos ou iluminação artificial para torná-la
bela para os espectadores, o filme tenta mostrar como os personagens lidam
com aquela realidade para emprestar a suas vidas um mínimo de beleza.
Portanto o que existe de belo e abstrato no filme não vem de uma
intervenção da equipe de filmagem tendo o espectador como
objetivo, e sim de uma necessidade interna dos personagens. A beleza está
neles, não é imposta a eles. O inesperado uso da animação
e o ambiente de ruínas de prédios onde habitam os personagens
são especialmente impressionantes nesse sentido.
Os meninos que vemos
na tela desejam apenas ter uma casa, uma mãe, ser aceitos por um
grupo de amigos, e acima de tudo, ter um sonho, que é o mais difícil
de tudo, talvez. O mesmo dia a dia que os impede, os faz procurar soluções
que venham da criatividade e de encontrar em si mesmos aquilo que o mundo
não os dá. E o cineasta nos mostra como são as mesmas
motivações que levam tanto aos mais belos momentos, quanto
a uma violência opressora. A importância dada a pequenos gestos
ou detalhes e as belas e sutis elipses usadas dão provas de um
olhar extremamente carinhoso e gentil. Que não passa a mão
na cabeça nem aponta dedos. Mas que, acima de tudo, reconhece que
realidade e imaginação são partes de um mesmo tecido
chamado vida.
Eduardo Valente
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