Alento,
de Damien Odoul
Le
souffle, França, 2001
Quem acompanha os festivais de cinema do Rio e de São Paulo sabe
que há muitos filmes franceses que não chegam ao circuito
comercial. Quando um deles consegue furar a barreira, e neste ano vários
conseguiram, é motivo de comemoração para o cinéfilo
formado com os papas da Nouvelle Vague. Se é que é possível
existir cinefilia passando ao largo daquele momento importantíssimo
para o cinema moderno.
Um olhar mais atento
percebe, no entanto, que ainda falta muito para que a França recupere
parte daquele brilho, ou pelo menos da ousadia. Cédric Klapisch
nos encanta com filmes delicados e poéticos como Le Péril
Jeune e Un Air de Famille, mas depois decepciona feio com Pêut-Ètre.
Olivier Assayas parece ser diretor de um filme só: Irma Vep,
assim mesmo, filme superestimado. Bruno Dumont convence muita gente com
seu rigor bressoniano, mas seus filmes revelam pretensão muito
acima de paixão, o que acaba por torná-los enfadonhos. Philippe
Grandieux impressionou com Sombre (1998), brilhante ensaio sobre
uma mente criminosa, mas parece ter sumido do mapa. Os melhores filmes
são de veteranos - Chabrol, Godard, Doillon. Falta um nome recente
para sacudir o espectador.
Damien Odoul parecia
poder ser esse nome. Premiado em Veneza, chegava com grande parte da crítica
internacional a seu favor. Mas seu filme de estréia não
confirma essa impressão. Filmado em preto e branco, com atores
desconhecidos e naturalismo pasoliniano, Alento não consegue
se firmar como algo mais do que interessante. Tem algo a dizer, mas não
sabe como. Seus personagens parecem meros figurantes da imaginação
do protagonista, um adolescente em crise.
David vive no campo,
criado pelo tio. Sente que o mundo ao seu redor é embrutecido demais
para ele. Namora uma garota num castelo campestre. Mas o ambiente ali
é culto demais. Ele não se encontra. Está num limbo,
incapaz de se relacionar com quem quer que seja. Sente sua adolescência
lhe escapar pelos sonhos eróticos. Percebe que sua porção
animal quer se libertar, mas isso significaria o fim de uma vida em sociedade.
Parece o inverso de Garoto Selvagem do Truffaut. Em vez da procura
de civilidade, ainda que nem sempre possível, o retorno à
barbárie, algo dificilmente benéfico. Mas a comparação
com o cinema de Truffaut, apesar de constante na critica internacional,
não procede. Suas influências são outras.
O ritmo não
é tão lento e sim irregular. Alterna momentos minimalistas
com outros de pretensa poesia. Às vezes funciona, mas sente-se
que há um equívoco no tom. Onde seria necessário
um andamento mais lento, contemplativo, Odoul busca algo mais poético
e acessível. Como se ele tivesse, em certo momento, medo de que
seu filme ficasse hermético demais. O filme carece de rigor formal.
Mais Bresson, menos Pasolini. Ou Pasolini pra valer, já que parece
ser sua maior influência.
Seus enquadramentos
ora são perfeitos, ora desleixados. No começo, lembram Tarkovski.
Passam por Kurosawa, Mizoguchi, cinema independente americano. Terminam
por evocar Pocilga, de Pasolini. Esse coquetel de influências,
conscientes ou não, prejudicam o filme, quebram-lhe a unidade.
Lembramos demais de outros filmes durante a projeção, o
que nesse tipo de filme é grave. Sua pretensa originalidade desaparece.
Resta apenas certa nostalgia, em certos aspectos salutar, de uma época
de plena inventividade. Sabemos que o que ele mostra não é
novo, mas gostamos um pouco, porque foge da mesmice dominante.
Apesar de alguns belos
planos, e da sensação agradável de estranheza que
o filme proporciona, precisamos aguardar um segundo trabalho para ver
se Damien Odoul tem fôlego, ou se é apenas mais um autor
de ocasião.
Sérgio Alpendre
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