A
Lenda do Pianista do Mar,
de Giuseppe Tornatore
La
Legenda del Pianista sull'Oceano, EUA, 1998
Alguns planos de A
Lenda do Pianista do Mar (La legenda del pianista sull’oceano
ou The Legend of 1900, 1998) lembram E la nave va, de Fellini.
Algumas imagens, como a do cavalo erguido pelo guindaste ou a do convés
coberto de neve parecem uma homenagem ao mestre (apesar de a lentidão
da câmera a mostrar o convés também trazerem à
memórias os planos-seqüência de Angelopoulos). De fato,
o filme de Giuseppe Tornatore, apesar de ser falado em inglês e
de ter atores americanos, deve ser o seu filme mais italiano. Apesar de
seu mais famoso filme, Cinema Paradiso, servir como um espelho
historiográfico do cinema de seu país, ele podia mesmo é
ser colocado na categoria dos filmes "universais", assim como
também seu filme mais brilhante infelizmente ainda a ser
redescoberto - o genial e borgesco Una mera formalità.
Mas a ponte com E la nave va e com o cinema italiano depois
dele - não se encerra no visual - que tem planos belíssimos.
Na verdade, a fotografia do filme faz pensar em como ainda se pode ser
criativo com as imagens hoje, sendo tradicional , mas na estrutura
melodramática. O cinema de Tornatore tem se caracterizado pelo
elogio do melodrama e por um debate perene sobre a memória. Mais
uma vez, são esses os dois elementos em jogo.
A Lenda...
é um filme belíssimo, de imagens belíssimas de cenas
cujo tom melodramático provoca um duplo sentimento: o de (justo)
incômodo que nossos dias obrigam a sentir de um espetáculo
como esse (que Tornatore promove sem traumas de consciência, sem
temer o epíteto de "piegas") e o de maravilhamento diante
de um evento poético e emocional.
Mas que se dá
neste filme ultrapassa essa questão. Ele se coloca no meio do caminho
entre um cinema puramente afetivo, puramente emocional, como era o belo
Cinema Paradiso, e um outro absolutamente cerebral, como o de Uma mera
formalidade. Aqui, um debate sobre a estrutura do filme, e sobre a
condução da narração, une-se ao melodrama,
criando um espetáculo que pode ser classificado ao mesmo tempo
como filme estrutural e como filme dramático.
É isso que
depõe a favor de Tornatore, que vinha sendo infeliz em sua tentativa
de manter acesa a tocha do melodrama. Vinha com uma vela nas mãos,
bruxulenate, no meio de uma ventania. No meio de um cinema italiano que
tinha como melhor exemplo de drama existencial A Vida é Bela,
de Benigni, e que se debatia diante do novo "existencialismo pragmático"
do cinema espanhol, Tornatore mostra que não é inventando
novas formas que se faz um cinema clássico brilhante, mas sim aceitando
sua herança, bebendo das velhas fontes, mas com o espírito
novo. Agora, com A Lenda, a pobre vela ergue-se como uma vigorosa
fogueira. O filme é existencialmente profundo basta uma
única cena, a de Tim Roth (brilhante, como sempre) de pé
na prancha de saída do navio para elaborar um debate gigantesco
sobre a efetividade das ações humanas.
O filme é uma
fábula, uma lenda mesmo, e como tal tem personagens fabulescos,
irreais, fantasiosos. É cheio de ocorrências como tal, mas
ele os constrói como um misto de real e fantasioso que lembra mesmo
o mestre Fellini.
A Lenda do Pianista
do Mar mereceria um texto mais longo, um debate sobre várias
cenas, sobre seu debate existencial e sobre sua bela resolução
estética, sobre a interpretação de Tim Roth e sobre
a música de Enio Morricone (e sobre a presença da canção
de Roger Waters nos créditos, estranhamente colocada ali, um dos
poucos pontos negativos mesmo que o filme tem). Pode-se mesmo apontar
o certo esvaziamento de alguns personagens e alguns outros detalhes problemáticos.
Mas talvez o que o filme mereça mesmo é ser visto e deleitado
como evento de beleza que é: melodramático, piegas, mas
infinitamente profundo e belo. O que pensar depois disso, é apenas
para enriquecer algo que é já intrinsecamente rico.
Alexandre Werneck
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