Bem Me Quer... Mal Me Quer, de Laetitia Colombani
À la folie... pas
du tout, França, 2002
Bem
me Quer... Mal me Quer é
um filme profundamente apaixonado... por si mesmo. Usando a sempre irritante
fórmula da “esperteza narrativa” para fim quase nenhum, o filme estrangula
constantemente qualquer frescor que pudesse vir a ter, encerrando personagens
e sua trajetória como meros títeres de um joguinho de “ser sabido” que
parece não ter qualquer motivação além de seu reconhecimento de filme
“muderno”. Nisso, e desde o início, aliás, já vem o susto de um certo
dejá vu: afinal, temos Audrey Tautou (de
resto, uma gracinha) de volta interpretando o que parece ser Amelie Poulain
“on acid”, ou seja, as mesmas boas intenções e romantismo idióticos e
francamente moralistas (pelo menos aqui, no decorrer do filme, há a decência
de considerá-la uma menina que tem, er, problemas).
É
importante dizer que é impossível falar qualquer coisa mais sobre o filme
sem discutir a, na falta de palavra melhor, reviravolta que acontece na
metade da projeção, uma vez que ela é central para qualquer análise estrutural.
Portanto, se o leitor ainda não viu e quer ver o filme sem saber de nada,
é melhor parar por aqui e voltar mais tarde.
Esta
“reviravolta” pode ser intuída sem muito esforço pela clara opção da diretora
de deixar hiatos monstruosos de informação. Seu óbvio propósito, desde,
o início é que vejamos o filme pelo olhar de uma das personagens. Não
é difícil imaginar que logo o veremos pelo outro lado. Mas, mesmo para
quem não se dê conta disso, o principal problema do filme está estabelecido
desde ali: para que funcionasse, seria preciso que se acreditasse na relação
entre dois personagens que nunca são sequer próximos de cativantes – a
menina maluquinha nunca é nada mais do que isso, e o homem “impenetrável”
idem. É quase impossível o espectador se interessar minimamente pela trama,
e boa parte disso se deve à estrutura escolhida, com esta virada no meio.
Caso típico da diretora colocando um “gimmick” de roteiro (o que sempre
chama a atenção de “jornalistas culturais” em geral) acima do que seria
melhor para seus personagens e sua história. Claro que ela pode dar a
desculpa mais “séria” de que queria falar da “relatividade” da realidade,
da subjetividade nas relações humanas, etc. Bobagem – o filme poderia
falar disso tudo, sem precisar posar de “ixperto” e dando as costas à
construção de personagens.
Quando
no meio do filme temos o recurso patético do “rewind” (que não só é fraco
narrativamente como esteticamente horrendo e óbvio), nos damos conta do
pior: passaremos o dobro do tempo vendo o “outro lado” da história (a
estas alturas completamente óbvio para todos). Ou seja: não feliz em ser
um mau filme, Bem me Quer...
é ruim duas vezes. E, se era ruim até então, se torna francamente insuportável,
pois nada acontece de verdadeiramente “reviravoltoso” para pedir este
formato. A capacidade imagética da cineasta indica quão banais são as
idéias por trás de Bem me Quer:
a perda da sanidade de uma personagem é indicada, por exemplo, por uma
casa que se desarruma e uma roseira que vai murchando. Uau, que criativo!
O filme tenta, na verdade, criar uma passagem onde o que parecia comédia
romântica vai se tornando um filme mais “escuro”, mas tanto em um registro
como no outro, nunca é mais do que banal e desinteressante.
No
final, o espectador que ainda não se entregou ao tédio completo tem a
verdadeira surpresa com o filme: ele se pretende sério, ao incorporar
à personagem de Tautou a condição clínica da erotômana. Ora, se como diversão
rasteira o filme era ruim, como observação sobre uma condição psiquiátrica
real ele fica ampliadamente patético. Não feliz com isso, ainda ensaia
uma passagem por hospitais e hospícios para criar um final de “suspense”,
num tom absolutamente absurdo em relação a tudo que veio antes. Por outro
lado, não deixa de ser adequado que tudo termine tão mal quanto começou.
Eduardo
Valente
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