A Copa,
de Khyentse Norbu


Phörpa, Austrália/Butão, 1999

O que no momento acontece com as cinematografias diferenciadas é algo bastante revoltante. A não ser que se considere um filme um produto diferente apenas por conter paisagens desconhecidas ou pessoas com outra cor de pele ou olhos mais ou menos puxados, essa terminologia usada para classificar o cinema não europeu ou americano está sendo bem empregada. Porém, diante de uma massa de filmes estrangeiros que chegam as nossas salas esse conceito cai facilmente. Para ser diferenciado, espera-se que o cinema seja diferente. Apenas isso. Raramente temos a oportunidade de ver obras estrangeiras, até mesmo européias, que se encaixam na nomenclatura "diferente". Ultimamente apareceram por aqui filmes orientais e de países muçulmanos que possuem propostas estéticas variadas, formando um extremamente pequeno grupo de obras que contribuem para a evolução da arte cinematográfica. Mas, são elas em tão pequeno número que não podemos sempre expandir essas características para a cinematografia nacional à qual pertencem. Geralmente a diferenciação é apenas um acontecimento isolado de um gênio que calhou de se expressar em uma parte do globo tida como exótica.

Na maioria dos casos, os filmes tidos como diferentes não passam de repetidores dos velhos esquemas ideológicos e estéticos estabelecidos pela indústria cinematográfica. Se aproveitando de uma demanda por novidades esses filmes conseguem se colocar no mercado como porta-vozes da diversidade cultural no cinema, tapando assim um buraco na exibição.

A Copa é um desses equívocos. Filme budista, cheio de budistas, não consegue esconder sua tendência mais forte de fazer propaganda ideológica de fácil penetração na elite cultural que freqüenta as salas de cinema da zona sul. Trata-se de um cinema que emociona para convencer, e não para explicar ou expor. Na tela, as situações, os rituais religiosos (bastante ricos, por sinal), não conseguem ser nada além de armação audiovisual feita para desfilar diante dos olhos do mundo ocidental, usando os mesmos recursos já bastante conhecidos do lado de cá do planeta.

A esquerda britânica possui o engajado Ken Loach, com seus filmes recheados de dramas sociais mas vazios de cinema. Os budistas possuem A Copa, filme cheio de colocações contra os chineses e igualmente vazio de cinema. Mostrando as coisas dessa maneira não quero dizer que o cinema ideológico não deve ser levado a sério, mas apenas apontar a existência de um grupo de filmes que usam a ideologia travestida de cinema, que se aproveitam de uma suposta condição de produto diferenciado para conseguir fácil aceitação e exposição de suas causas, sem prestar maiores tributos à arte cinematográfica.

É interessante ir ao cinema para ver A Copa? Claro. É importante? Sim. É a oportunidade que temos de conhecer e avaliar o que está acontecendo com o cinema e constatar que, depois de vários anos de existência, ele tem uma função muito bem definida na cultura de massas como propagador de valores não estéticos.

João Mors Cabral