2000
Nordestes,
de Vicente Amorim e David França Mendes
2000
Nordestes, Brasil, 2000
Há muitas maneiras de realizar um filme sobre o nordeste brasileiro.
Sob esse aspecto, "2000 Nordestes" já sai ganhando: o filme reconhece
que o nordeste não é somente uma localidade, mas antes de
tudo um universo, um mundo com características próprias,
que ultrapassa as fronteiras locais e vem instalar-se no Brasil inteiro.
O filme tentará
captar esse intrincado complexo de relações através
de uma narrativa dinâmica, que se desloca continuamente de um lugar
para outro e de tema em tema. É uma espécie de filme-caleidoscópio:
seja pelas rapidez com que tudo passa pela tela, seja pelas montagens
aceleradas, "2000 Nordestes" funciona como uma montanha russa. No que
isso tem de bom e de ruim.
Os diretores Vicente
Amorim e David França Mendes optaram por fazer um filme com uma
linguagem "cult", próxima das reportagens de jornalismo "teen".
Com isso, eles aproximam um certo público do tema, mas será
que imprimem ao filme o tom necessário ao universo retratado? Às
vezes sim, muitas vezes não.
Baseando-se unicamente
nos depoimentos dos personagens, o filme esquece muitas vezes de criar
o ambiente em que esses personagens crescem e vivem. Da mesma forma, a
utilização da música (drum'n'bass principalmente)
dá velocidade à narrativa, mas fica totalmente inadequada
quando colocada juntamente com o sertão nordestino, criando um
"gap" muitas vezes difícil de engolir.
"2000 Nordestes" passeia
pelos principais temas da vida dos nordestinos: a extrema religiosidade
com que guiam suas vidas, o sonho de ir para o sudeste para melhorar de
vida, a falta de emprego que ataca tanto aqueles que imigraram como os
que ficaram, as festas onde se toca forró e brega, além
dos rituais de amor e da esperança de ascender socialmente com
um casamento.
Em alguns momentos,
o filme consegue extrair dos personagens alguns instantes comoventes de
simplicidade. Em vários outros, tenta utilizar o discurso dos personagens
simplesmente para comprovar certas idéias feitas. Ou, então,
apela para o mito do "ignorante sábio", quando dá destaque
a frases como "a situação aqui é meio péssima",
"o que era uma realidade não é mais uma realidade" ou quando
dedica vários minutos a um entrevistado (adorável, diga-se
de passagem) que quer mostrar suas habilidades no inglês.
Mas o que mais incomoda
em "2000 Nordestes" são as citações a "Deus e o Diabo
na Terra do Sol" e "Vidas Secas". Tidos como os dois maiores filmes brasileiros,
esses dois marcos do Cinema Novo aparecem a todo instante, como que comentando
as imagens que são vistas na tela. Mas suas menções
não conseguem adquirir nenhuma significação além
da ilustração e da homenagem.
Mesmo irregular, "2000
Nordestes" tem seu charme, e mesmo que termine com uma questionável
enquete sobre o ano 2000 e a chegada do milênio, o filme merece
ser visto.
Ruy Gardnier
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