Dezessete Anos,
de Zhang Yuan


Guo niam hui jia, China, 1999

O início de Dezessete Anos, de Zhang Yuan, no qual se desenrolam os letreiros de apresentação, prepara o espectador para uma atmosfera que não se concretizará. Há leveza demais no plano que acompanha o casal de meia-idade em seu trajeto de bicicleta pelas ruas, sensação reforçada pela música, igualmente suave. Este tom logo será desfeito assim que o diretor nos introduz no núcleo familiar a que pertencem estes personagens, pais das duas irmãs Tao Lan e Yu Xiaoqin.

De pequenos gestos e de um grande salto temporal, é construída a tragédia de uma família pobre na China contemporânea. As elipses e os detalhes, porém, não provocam nenhuma ruptura radical em uma narrativa que segue padrões clássicos por vezes prejudicado por alguns diálogos excessivamente explicativos. Mas o que poderia ser um conto moral, em Dezessete Anos torna-se uma reflexão política sobre a ausência de liberdade. Zhang Yuan investiga as contradições de um regime que se molda pela capacidade de uma sociedade vir apenas a cumprir ordens, e não a agir por uma suposta auto-determinação, assumindo os riscos.

São duas Chinas que surgem divididas: a de antes da queda do Muro de Berlim e a atual, permanentemente assediada pelo capitalismo. A trajetória de Tao Lan, na casa de seus pais e, posteriormente, no presídio, acompanha esta cisão.

Antes da prisão, Yuan situa a narrativa em ambientes fechados, marcando o caráter das irmãs adolescentes sob o jugo familiar. Nestes "verdes anos" as coisas já não vão nada bem, as divisões internas acentuam-se cada vez mais entre pais e filhas. O dinheiro será o estopim da tragédia, embora apenas num sentido circunstancial. Na verdade, como em toda a tragédia, ela já está parcialmente traçada, tanto na ambição quanto na inconsciência das duas irmãs.

Paradoxalmente, os espaços abertos e os exteriores são mais explorados quando o filme se desloca para a prisão e segue os passos de Tao Lan, que acaba de ganhar uma licença para rever os pais na noite de Ano Novo, 17 anos depois de sua prisão. Mas, claro, nem ela, nem o mundo são os mesmos. A certa altura, a câmera filma de cima o muro que divide o presídio e as ruas. Haverá mesmo uma real divisão entre o interior e o exterior da prisão, algum muro a marcar antigas fronteiras? Fora da prisão, o universo é marcado pelo caos. Antigos bairros estão em ruínas (ou em construção?), posters e fliperamas indicam a contaminação capitalista em tonalidade melancólica.

A concisão estilística de Yuan não o impede de construir uma perspectiva mística no interior de uma linguagem fortemente realista, o que confere ao filme um tom crítico e irônico pouco comum. Dezessete Anos é, de certa forma, a história de uma ressurreição, em grande parte conduzida por uma espécie de "anjo da guarda" do Estado, uma oficial que trabalha no presídio em que Tao Lan sofre a pena.

Evitando um enfoque maniqueísta da oposição capitalismo X comunismo, Dezessete Anos busca situar-se além desta armadilha, mas termina mesmo por mergulhar numa intensa perplexidade diante do mundo – e esta é uma das qualidades do filme.

A perplexidade leva a uma ambigüidade perturbadora: a oficial que reconduz a presidiária para o antigo núcleo familiar é porta-voz da Ordem (a mesma contra a qual o filme sugere as maiores críticas) e, ao mesmo tempo, o elemento que faz renascer em Tao Lan a sensibilidade. Mas que sensibilidade é esta? É a sensibilidade mediada pelo Estado, violentada pela juventude perdida em anos de prisão, adulterada pelo medo e pela rejeição, disciplinada pela culpa e pelo sofrimento. Diante do mundo atual, regeneração significa defasagem, deslocamento, alienação.

Apesar disso, é esta personagem "regenerada" que a oficial reapresenta aos pais, que, com o passar dos anos, também se reduziram a duas fantasmagóricas figuras pertencentes a um cotidiano de frustrações.

Por sua vez, o reencontro familiar – a princípio mediado pela própria oficial, que segue como uma espécie de "intérprete" entre os três – não se revela menos obscuro do que as relações que existiam antes da prisão de Tao Lan. O que prevalece, aliás, é a mentira e a culpa. Ou talvez, a mentira alimentada pela culpa. E a oficial, após cumprir o seu quase santo dever, esboça um sorriso comovido, sincero, cuja leveza – que nós, espectadores, já havíamos experimentado no princípio do filme – tem a dimensão trágica do desconhecimento e do engano.

Luis Alberto Rocha Melo