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Som, fúria e cinema
No novo ano que começa, os ventos sopram e o ar se
renova. Hão de se renovar também os procedimentos.
As novas tecnologias de se assistir a filmes também
podem proporcionar novas análises. Ter um filme rodando
no disco rígido de seu computador traz uma nova relação
com a imagem, e logo com o cinema. Traz também uma
nova possível relação de análise
e crítica. A famosa inveja que o crítico de
cinema tem do crítico literário, que dispõe
da mesma mídia o papel para analisar
atenta e minuciosamente seu objeto, tende a se diminuir. Se
ainda é um pouco quimérica e restrita a possibilidade
de falar junto com a imagem em movimento, já é
possível com alguma facilidade retirar alguns momentos
do fluxo de movimentos e analisá-lo a partir de algumas
imagens que dão conta das modificações
que se dão no espaço. Eis, ao menos, um novo
procedimento crítico, que inauguramos nessa primeira
edição de 2005: a análise de seqüências
como forma de grudar texto e imagem, imagem e reflexão.
Procedimento que vem sendo utilizado na melhor crítica
lá fora nos escritos e nos trabalhos em DVD
de Tag Gallagher, nos Cahiers du CInéma, ou na nova
edição da revista eletrônia Rouge
, mas ainda engatinhando por aqui.
E, para tentar observar o movimento e as apropriações
de espaço e enquadramento, poucos cineastas tão
ricos quanto Chang Cheh, cineasta mais talentoso, prolífico
e importante da produtora Shaw Brothers, responsável
pelos surtos de cinema wuxia e de kung fu em Hong Kong nos
anos 60 e 70, respectivamente. Existe em Chang Cheh uma força
de sempre engajar a imagem no movimento, no espaço,
de fazer do plano o espaço de fluxos (de amor, de sangue)
irredutíveis ao comércio e de invenções
irredutíveis ao gênero. Agora, graças
ao relançamento de boa parte de sua obra em DVD no
exterior (no Brasil só chegaram até agora quatro
títulos tardios dos anos 70) e ao advento dos programas
p2p, é possível ver, rever e reavaliar o papel
de uma cinematografia que sempre exerceu papel decisivo no
cinema de gênero dos anos 70 até hoje, de John
Carpenter a Quentin Tarantino, alastrando-se definitivamente
a partir da carreira americana de John Woo. Um cinema divino
e maravilhoso, e tão mais interessante de se escolher
como tópico devido à absoluta indiferença
com que sempre são recebidos os filmes de gênero
diante da crítica "séria". Uma viagem
que, longe de acabar, está só começando.
Mas nem só das novidades vive o novo ano. Acompanhando
a edição, publicamos nossa tradicional pauta
de começo de ano, retrospectando o ano anterior do
cinema nacional com o Cinema Falado, chamando os leitores
para eleger seus filmes preferidos do ano que se passou, e
escolhendo em votação os favoritos da redação.
Tanto entre os redatores quanto entre os leitores, o campeão
de 2004 foi Elefante, de Gus Van Sant, um filme sobre um momento
preciso e recente da história americana que através
do poderoso uso das formas expressivas do cinema, tende a
se eternizar no imaginário e na história da
arte cinematográfica.
Dentro da revista, também renovação:
Eduardo Valente deixa a editoria da revista para perseguir
mais de perto alguns compromissos de sua carreira de cineasta
(o que envolverá uma viagem de cinco meses à
França, tempo no qual funcionará como uma espécie
de correspondente parisiense) e, é preciso dizer, mesmo
com pesar, também por algumas discordâncias em
relação aos processos de trabalho e ao ritmo
de produção interna da editoria. Assume a editoria-geral
da revista, junto com este que vos escreve, Luiz Carlos Oliveira
Jr., por demais conhecido dos leitores para precisar de apresentação.
Essa mudança não evoca a princípio nenhuma
nova orientação crítica ou de pessoal
na revista, e se mudanças houver, elas se devem tão-somente
às diferentes formas pessoais de compreender o cinema
e os processos que ele realiza com o mundo em que se vive.
Fica aqui nosso carinho a este editor que se esmerou como
nenhum outro membro da revista a fazer a Contracampo passar
de um fanzine plus à publicação
periódica que somos hoje (em tempo: Valente continua
como membro da redação e como editor da seção
de críticas), e nossos melhores votos de sucesso do
outro lado do Atlântico. Enquanto isso, seguimos com
esse cotidiano tão entusiasmante que é o das
imagens de cinema nesse país tão particularmente
sedutor e complicado que é o Brasil.
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