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Conceituando o cinema contemporâneo
A volta dos festivais tem algo de melancólico e algo
de bem-vindo. O ritmo desacelera completamente, o cotidiano
volta, as tarefas corriqueiras também, e resta um monte
de filmes com que se atualizar: filmes que entraram em cartaz
na época dos festivais, filmes que precisavam ser vistos
depois de algumas coisas vistas no momento da maratona, filmes
em retrospectivas, etc. O desalento é que aquele filme
esperado e que não veio, como Café
Lumière de Hou Hsiao-hsien, A Mulher É
o Futuro do Homem de Hong Sang-Soo, Clean de Olivier
Assayas, 2046 de Wong Kar-wai, O Mundo de Jia
Zhang-ke, A Porta do Sol de Yousri Nasrallah, entre
outros só poderá ser visto, e se tanto,
no ano seguinte, ou que o circuito nos oferece as mesmas vacas
magras de sempre. Não se pode ter tudo.
Mas o fim da temporada de festivais tem de único essa
oportunidade de sempre levar a um requestionamento do cinema
que se faz hoje à luz dos novos filmes vistos no front
de batalha. Da mesma forma que cada espectador desenvolve
um percurso próprio e todo particular entre os filmes
que vê nesse período, o crítico também
tece seu percurso conceitual ao passo que vai encontrando
ressonâncias, semelhanças e problemáticas
semelhantes em alguns dos filmes que viu. Todo um panorama
conceitual que muitas vezes aparece diretamente nos textos
sobre os filmes, mas que, por falta de uma sistematização
de leitura ou de saberes, acaba se prestando unicamente à
compreensão de um filme específico, quando poderia
iluminar não apenas uma porta mas um corredor inteiro
do labirinto contemporâneo.
Daí o interesse de fazer a inversão: aproveitar
o momento da costumeira revisão dos festivais, eterna
pauta das edições de novembro, para fazer o
foco por uma vez não nos filmes, mas nas problemáticas
e nos conceitos. Surgiu daí a idéia de um glossário
livre, experimental e instrumental, em que se discutisse o
que se viu na temporada de festivais sob o signo de conceitos
que rearranjariam nossa percepção e que, ligando
filmes que a princípio não teriam muita relação
uns com outros, abrir novas possibilidades para a compreensão
desse universo tão estimulante que é o cinema
contemporâneo.
Junto com nosso Glossário, publicamos também
o testemunho de quatro excelentes encontros que tivemos com
realizadores durante a Mostra Internacional de Cinema em São
Paulo. Apesar da ausência de Abbas Kiarostami
com quem lamentavalmente não pudemos agendar horário
na lista dos entrevistados, temos aqui uma entrevista
com um verdadeiro ídolo Manoel de Oliveira
e mais três conversas com realizadores que nos impressionaram
demais com seus filmes recentes e em quem apostamos nossas
fichas cinéfilas de que exercerão sem dúvida
um papel mais presente e decisivo no cinema dos próximos
anos: Nicolas Klotz (A Ferida), Lisandro Alonso (Los
Muertos), Mania Akbari (20 Dedos).
A volta dos festivais tem algo de melancólico e bem
vindo: uma necessidade de se reinscrever na sua própria
vida, assim como a necessidade de se reinscrever no cotidiano
do cinema de uma localidade, Rio ou São Paulo, com
suas limitações e com seus grandes momentos.
Fazer do cotidiano sua própria novidade, estas são
as nossas férias férias que, estritamente
falando, nossa publicação não tem.
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