As Montanhas da Lua, de Bob Rafelson

Mountains of the Moon, EUA, 1990
Tendo em vista o conjunto
da obra de Bob Rafelson, cineasta profundamente fincado na cultura americana
contemporânea à época da realização
de seus filmes, As Montanhas da Lua pode parecer a princípio
um trabalho completamente deslocado. Trata-se de uma fita de época,
cuja ação transcorre entre a África e a Inglaterra
de meados do século XIX, focada na trajetória verídica
de dois exploradores britânicos, Richard Francis Burton (Patrick
Bergen) e John Hanning Speke (Iain Glen), para descobrir e mapear a região
da nascente do Rio Nilo, conhecida entre os nativos pelo nome mítico
que dá orígem ao título.
O que poderia, em
outras situações, render apenas um filme de ação
ligeira, acaba por se configurar salvo falha de memória
– no melhor filme já feito sobre a exploração colonialista
do território africano. Desde uma das primeiras sequências,
na qual Speke, à procura de Burton, tenta invadir na base do grito
uma mesquita onde este último encontra-se orando entre os muçulmanos,
Rafelson já deixa claras as diferenças de temperamentos
e objetivos entre os dois protagonistas que daí para frente irão
direcionar o tom do filme. Temos, portanto, o jovem e arrogante Speke,
em busca de glória e dotado de toda a postura colonialista européia,
em oposição a Burton, visto como acima de tudo um cientista,
um homem que tenta a todo custo explorar de igual para igual as mais diversas
culturas.
Apenas um filme, por
sinal, seria pouco para retrarar a grandeza da figura que foi Richard
Francis Burton, que durante quase todo o século XIX, em missões
militares, científicas ou diplomáticas, esteve nas mais
variadas regiões do mundo, como Índia, Arábia, África
e Brasil (onde trabalhou como cônsul britânico justamente
após os fatos narrados em As Montanhas da Lua) sempre
agindo como intérprete e divulgador das culturas locais (por exemplo,
traduzindo para o inglês obras como As Mil e Uma Noites e
Kama Sutra ). Rafelson dá conta, em duas horas e quinze,
que transcorrem de forma ágil e sem uma única sequência
desnecessária, de apresentar as principais facetas do personagem,
fugindo exceto talvez pela relação entre Burton e
o africano interpretado por Delroy Lindo da lenga-lenga políticamente
correta que na época de lançamento do filme encontrava-se
em franca ascenção. Mostra Burton como um eterno inquieto,
o que o torna bastante próximo de Robert Dupea (Jack Nicholson),
protagonista de Cada Um Vive Como Quer , seu trabalho mais célebre.
Cerca de metade da projeção de As Montanhas da Lua é centrada na segunda expedição feita por Burton e Speke em busca da nascente do Nilo, ao fim da qual Speke, sem o parceiro que ficara retido devido a grave infecção nas pernas, descobre um grande lago, o qual batiza de Victoria, afirmando ser esta a nascente; informação não confirmada por Burton, uma vêz que Speke não disponha de bases científicas para tal. O filme mostra, porém, que a batalha travada perante a sociedade da Inglaterra vitoriana foi tào árdua quanto as dificuldades impostas pelo continente africano. E é justamente aí que As Montanhas da Lua demonstra sua permanente atualidade, com uma visão crítica da forma como a imprensa e o meio acadêmico da época promoviam suas “celebridades”, considerando o nobre, belo e sempre disponível Speke uma figura mais atraente e palatável para o público leitor que o metódico, taciturno e escocês Burton.
As Montanhas da
Lua é um “filmaço” em todas as possibilidades de abrangência
do termo. Rafelson trabalha com uma narrativa clássica, sem, entretanto,
incorrer nas limitações do academicismo que seria de esperar
em filmes de época com protagonistas britânicos. Agora, curioso
e intrigante é verificar, após uma pesquisa na internet,
que uma fita quase unanimemente reconhecida e louvada em suas qualidades
por inúmeros textos, seja na época de seu lançamento,
seja ao longo dos anos posteriores, teve uma repercussão menos
que modesta e permenece praticamente desconhecida das mais diversas gamas
de público. Façamos justiça, então. As
Montanhas da Lua é nada menos que obrigatório, mesmo
que seja numa modesta cópia de VHS em tela cheia, enquanto aguardamos,
com otimismo, um lançamento em DVD com o capricho merecido, com
enquadramento respeitando o formato 1:85 no qual foi cuidadosamente concebido.
Gilberto Silva Jr.
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