A História da Eternidade,
de Camilo Cavalcante

Créditos sobre a tela escura; respiração pesada, gemidos de dor abafados que em seguida explodem em gritos arrepiantes. Antes mesmo de vermos a primeira imagem de A História da Eternidade (2003), novo filme do curta-metragista pernambucano Camilo Cavalcante, somos arremessados numa densa atmosfera de morte e decadência.

Não é território novo no cinema de Cavalcante, cineasta que a despeito de sua pouca idade (batendo à porta dos trinta anos) exibe não apenas um currículo notável de belos filmes, mas uma legítima e original inquietação estética e também marcas indeléveis de amadurecimento e consciência artística. A História da Eternidade é um retorno à estrutura do plano-sequência de seu primeiro curta realizado em película, Ocaso (1997, exibido numa edição passada do Festival de Cinema Universitário), onde as cores quentes do crepúsculo sertanejo e a aridez do cenário serviam como os únicos fios condutores de uma narrativa impressionista e elíptica, e impregnavam os atos extremos de suas personagens num delírio de violência e miséria humana.

Da angustiante panorâmica de 360º de Ocaso ao elaboradíssimo plano-sequência de A História da Eternidade o que se tem é um avanço formal inegável: refinamento da mise-en-scéne e impecável direção de atores; notável utilização do espaço, constantemente redefinido ao longo do plano (aqui, o sertão ganha contornos mais nítidos de paisagem interior, emoldurando as ações); supressão dos tempos mortos, abandono da elipse para concentrar-se nas relações evocativas e fortemente subjetivas entre os diversos esquetes apresentados – enfim, para concentrar-se numa construção francamente mais alegórica, algo que se insinuava já no filme anterior de Cavalcante, sua obra-prima O Velho, o Mar e o Lago (2000).

À primeira vista, não é tão difícil localizar em seus filmes uma mesma matriz de crueldade cênica e agressividade estética presente também em Claudio Assis, outro representante da nova onda pernambucana – mas trata-se de uma comparação superficial: o choque em Cavalcante é modulado pelo arcabouço narrativo e na sua experimentação não há espaço para a derrisão ou para o caos (pode-se rastrear essa diferença até os diferentes contextos em que os diretores trabalham – não assisti aos videos "urbanos" de Cavalcante). Pelo contrário: encontramos no cinema de Camilo Cavalcante uma melancolia inusitada que rege o princípio ordenativo de suas ficções, um princípio muito mais preocupado com a observação íntima e com a construção visual ou narrativa dos eventos, que com a crueza das situações per se.

Ainda que irregular (o primeiro esquete deixa uma impressão tão forte que ofusca boa parte do restante do filme), A História da Eternidade é uma obra absolutamente inquieta e inquietante, uma manifestação de grande e intenso vigor conceitual e estético.

Fernando Verissimo