Uma Garota Descolada,
de Benjamin Tucek

Devkatko,
República Tcheca, 2002
O filme de Benjamin Tucek começa
com um tom que sugere algo já antes bastante visto no cinema (geralmente
com personagens jovens), através de um universo multicolorido que
busca construir uma espécie de cult-brega. Sua protagonista
é uma jovem de 17 anos que ameaça sofrer, nos primeiros
minutos de projeção, de um certo complexo de Amélie
Poulain, mas felizmente ela não segue em frente com tal aparência
(apesar de seu figurino e de alguns sorrisos deslumbrados continuarem
trazendo à memória a personagem do filme de Jean-Pierre
Jeunet) e não fica tentando solucionar a vida de ninguém
ou se envolvendo em situações quer fantasiosas, quer falsamente
misteriosas. O roteiro tampouco busca aquela suposta engenhosidade de
querer aproveitar o espaço da grande cidade para elaborar uma série
de coincidências e desenfreadas idas e vindas narrativas. É
um filme bem simples, e por vezes até ingênuo.
O kitsch de Uma Garota Descolada
não é só almodovariano (como uma cena onde a menina
folheia uma revista em que aparece o pôster de Tudo Sobre Minha
Mãe deixa evidente de forma até desnecessária,
pois as imagens já gritavam tal influência – e é essa
cena que introduz no filme a relação da protagonista com
sua mãe), mas também como reflexo da própria vida
na periferia de uma grande cidade do leste europeu (o filme tira proveito
das cores vivas das próprias lojas, letreiros, ônibus...).
A menina constrói imagens
intramentais constantemente, como uma que é mostrada logo no início
do filme: no terraço de um prédio em meio a tantos outros,
ela está de peruca, biquíni e chinelos amarelos, além
de óculos escuros estilo anos 70, sentada numa cadeira de praia
como se estivesse se bronzeando, e surge então um homem musculoso
só de sunga que se dirige à beira do terraço e mergulha
lá de cima com pose de saltador ornamental. A cena é filmada
num plano só, em slow-motion, com o som fabulando uma atmosfera
um tanto onírica e com movimentação de câmera
e composição fotográfica que condizem plenamente
com a idéia geral do filme: a cena acaba soando como se a menina
pusesse em movimento uma das páginas da revista que folheia enquanto
fuma e ouve walk-man imersa na banheira repleta de espuma. Aquele
plano é uma espécie de "cinematização"
das revistas de variedades que apostam no visual muito mais do que em
qualquer outra coisa.
Na verdade, tanto essas imagens
com que a menina sonha acordada quanto as cenas videoclipadas que o filme
apresenta a partir das músicas que ela ouve no walk-man
são como se houvesse uma tentativa dela "cinematizar"
sua própria vida. Mas são principalmente essas cenas dela
dançando no terraço ou saltitando pelas calçadas
que dão um aspecto meio ingênuo ao filme (a montagem "estilizada"
dessas cenas definitivamente não funciona). As locações
de Uma Garota Descolada obedecem a dois extremos: de um lado boates
e lojas onde imperam cores vivas e luz de néon, e de outro espaços
vazios e cinzentos, como o terreno lamacento de beira de estrada que a
menina freqüenta algumas vezes (e onde estará na imagem final
do filme).
Ao contrário do supracitado
filme de Almodóvar, quem morre em Uma Garota Descolada é
a própria mãe, e a morte se dá já no fim,
e não no início. A seqüência da "onda errada"
que a mãe adquire após tomar uma bolinha de êxtase,
e que culmina com seu atropelamento, é fraca e movida a clichês.
A forma com que a imagem da mãe ressurgirá no filme, contudo,
recupera um pouco da força: algumas sobre-impressões a põem
ao lado da filha e do taxista que esta conheceu num bar deserto, os três
dentro do táxi num passeio errante por túneis e ruas desertas
em plena madrugada.
Com personagens abordados de
modo a soarem esquisitos e situações proposital e transparentemente
artificializadas, o filme evita o melodrama, mas não consegue escapar
de uma tentativa constante de ser descolado e de transformar tudo num
reflexo da mente "fabulosa" de sua protagonista, o que só
havia funcionado na primeira parte do filme, e depois começa a
se repetir incomodamente.
Luiz Carlos Oliveira Jr.
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