Salomé, de Carlos Saura

Salomé, Espanha, 2002

Obsessões, obsessões...

Não se pode maldizê-las quando se trata de cinema, tantos são os brilhantes cineastas a erguer suas obras sobre elas... Mas e o que dizer de Carlos Saura e de seus filmes-de-dança? Para um diretor responsável por pequenas obras-primas na década de 70, apontado como o principal reflexo do cinema de Buñuel na Espanha, ver Carlos Saura se repetir de forma autômata em filmes como Salomé é uma experiência no mínimo desestimulante. Excesso de obsessão ou falta de uma obsessão apta a fazer-se em cinema? Diante da queda da ditadura franquista e ao longo da década de 80, Carlos Saura parece perder a cada filme seu interesse pelo jogo e narrativa cinematográficos.

Migrando de forma monótona para a linguagem intermediária da dança-instalação-filmada, passa a assinar obras previsíveis que, se alcançam alguma beleza eventual (Flamenco) ou dão liberdades para a arte fotográfica de Vittorio Storaro, parecem apontar para um inegável e rápido esgotamento. Diante de obra tão mal-acabada quanto este preguiçoso Salomé, chega a pairar a dúvida se há ainda em Saura algum resquício da habilidade e do vigor cinematográfico que lhe fizeram a fama.

O que dizer de um filme-dispositivo (em que o eixo de interesse seria justamente a relação entre a linguagem cinematográfica e a da dança) em que o dispositivo simplesmente não funciona; onde a relação dança-cinema é traduzida numa montagem sem qualquer inspiração, cometendo erros crassos na construção de atmosferas? O que mais se ressalta em Salomé é justamente isso: a precariedade técnica de sua construção artesanal, de seu plano-a-plano, de seu arquitetar o cinema. (Pobres atores-bailarinos, transformados em canastrões careteiros por uma decupagem que não sabe sequer respeitar as características de visibilidade palco vs. tela...)

Iniciado com uma espécie de making of encenado, de que não se retira nada além do fetiche dos bastidores, o filme encadeia a história de Salomé em cores berrantes, figurinos inócuos e atuações indefinidas. Pobre como cinema, pobre como espetáculo de dança (arrisco dizer), Salomé teria como único atrativo seu caráter experimental, seus riscos cênicos, seus desafios... Mas o que dizer do filme se Carlos Saura resolve experimentar sempre com o mesmo tipo de objeto, da mesma forma, com o mesmo tipo de aproximação? Para onde vai a tensão das linguagens se a experimentação se torna o elemento mais previsível?

“E a história, a narrativa? O que Saura tem a nos narrar?” (perguntas desesperado...) Calma, podemos assegurar que a narrativa bíblica de Salomé continua monotonamente intacta em sua eternidade, diante de tão insossa e desinteressada investida em sua direção.

Felipe Bragança