Only the strong survive, de Chris Hedgegus e D.A. Pennebaker

Only the Strong Survive, EUA, 2002

O documentário possui uma peculiaridade em relação a seus personagens que, obviamente, um filme de ficção não possui. É que geralmente, como os personagens são reais (tudo bem, eu deveria colocar aspas aqui, porque a noção de real é relativa, mas vamos fazer um acordo com relação a isso), eles ganham uma forte centralidade – o que na vida não acontece, uma vez que ela não centraliza uma pessoa mais do que outra e as centralidades são ou narcísicas ou ilusórias - e um estatuto de elevação/celebração particular. Mesmo quando um personagem é famoso, ao ser “estudado” em um documentário sua relação com a “trama” da história ganha um outro estatuto. Um documentário sempre faz parecer que tudo funciona em torno do personagem, ainda que isso seja produzido apenas para que se possa isolar o personagem como objeto.

Only the Strong Survive pertence justamente a um quase gênero de documentário que vem se notabilizando ultimamente: o de redescoberta de artistas outrora centrais. É a mesma coisa que fez Win Wenders em Buena Vista Social Club com as antigas estrelas da música cubana, ou que fez Paul Justman fez em Standing in the Shadows of Motown com o grupo Funk Brothers. Não que vários dos nomes mostrados no(s) filme(s) não sejam ainda estrelas. Vários dos personagens de Only the Strong ... são hoje celebrados como grandes nomes do soul, nomes inaugurais. Mas o que é chave nesses filmes, e neste filme em particular, é que em geral são investigações sem investigação. Como são mais celebrações do objeto do que questionamento deles, o que se vê geralmente é um descortinar de uma série de depoimentos melancólicos entrecortados por números musicais.

E é essa justamente a fórmula de Only the Strong Survive. Ainda mais ao se levar em conta que o processo investigativo do filme é guiado por um elemento particular: o gosto do produtor Bob Weinstein, co-chairman da Miramax, que, como seu irmão Harvey, aprendeu a controlar diretores como quem opera títeres. Lá está ele, andando ao longo do filme, mostrando que aquela obra nasceu para que ele possa celebrar seus ídolos, para que ele possa particulariza-los na históra. É um filme que já começa com sua conclusão tirada.

Talvez esse seja o elemento mais problemático de Only the Strong Survive. O título, que é título também de um clássico do soul, indica bem a tese do filme: apenas os mais fortes sobrevivem, o que prova o quão fortes são aqueles personagens. Mas falta a essa tese pop-darwinista um elemento central: uma pergunta. O filme percorre histórias de nomes como Isaac Hayes e Wilson Picket sem se perguntar, afinal de contas, por que eles estão hoje como estão. Por que vários daqueles nomes são, na verdade, estrelas decadentes?

Essa imagem de queda, aliás, é um dos outros problemas do filme. Não há como não reparar uma certa majestade da decadência em várias seqüências, a construção de uma sensação de “tudo bem, agora ela canta em churrascaria, mas e daí? É uma estrela”. Tudo bem, o filme não mostra ninguém cantando em churrascaria, mas não há como não enxergar em histórias como a da ex-Supreme Mary Wilson, em sua insistência para ser lembrada como eterna integrante do trio que relevou Diana Ross, ou na narração do passado de drogas de Sam Moore um certo desejo do filme de produzir uma majestade, “apesar de tudo”. E, afinal, não é uma churrascaria, mas há um número em um restaurante.

Sem investigar, sem dar luz àquilo que filma documentário como este – que é bem divertido, aliás. A música é boa e os personagens contam histórias dignas de um filme de Eduardo Coutinho – bem poderiam ser reunidos em uma nova classificação: cinema indireto. Em vez da apologia da interferência zero da câmera sobre o objeto, ele pregaria a cumplicidade salvacionista dela com ele. Seria um gênero formado não para fazer justiça com as próprias mãos na câmera (como um cinema investigativo poderia fazer) e sim para produzir piedade, para mostrar como de perto, em close, todo mundo é normal.

Alexandre Werneck