Mesmo Amor, Mesma Chuva,
de Juan José Campanella


Mismo amor, la misma lluva, Argentina, 1999


Assistir a Mesmo Amor, Mesma Chuva depois de O Filho da Noiva, ambos dirigidos pelo argentino Juan José Campanella, é interessante apenas para se constatar como ele progrediu de um de filme para o outro. O primeiro, exibido apenas esse ano no Brasil, é anterior. Se em relação à escolha temática aproxima-se da obra seguinte, tratando uma problemática pessoal como reflexo de uma problemática coletiva, a manipulação de conflitos subjetivos e objetivos sai torta. Ao acoplar a trajetória do protagonista a duas décadas da história argentina, de 1978 a 1998, Campanella evidencia informações exteriores ao drama do personagem e, por reduzi-lo a um símbolo que alude à uma situação para além dele, impede-o de existir por conta própria na ficção.

Ricardo Darin interpreta esse sujeito. É um escritor de contos que publica suas histórias em uma revista. Veremos suas dificuldades para ter os textos valorizados pelos editores com cabeça apenas para as questões mundanas (Guerra das Malvinas, a Copa de 78, a volta da democracia, escândalos políticos), o início, o desgaste e o fim do romance com uma atriz amadora, a indiferença com as questões que exigem posturas firmes e a transformação de escritor frustrado em crítico de teatro corrupto, que condiciona as resenhas elogiosas a uma quantia razoável de pesos em sua mão.

Situação essa, aliás, deplorável. Não pela atitude condenável e sem desculpas do personagem, mas pela maneira como é filmada e, principalmente, pela pretensão de usá-la como sintoma de um estado de coisas. Ai-ai-ai! Para usar uma expressão do apreço do crítico Kleber Mendonça Filho, essa seqüência é típica de "filme de diretor sem amigos". Alguém tinha de dar um alerta ao realizador para ele não filmar algo tão constrangedor. O resultado como um todo já é cheio de solavancos, mas essa passagem em especial dói na vista, talvez até pelo fato de o personagem praticar o mesmo ofício de quem escreve aqui.

Campanella, como viria a fazer com mais habilidade em O Filho da Noiva, aposta em três barbadas: o humor cativante, o sentimentalismo garantido por trechos musicais adocicados e o ator carismático. Mas essa combinação resulta truncada. Não se sente fluência na exposição dos fatos e, antes da segunda metade, é perceptível o cansaço da narrativa, talvez por preguiça, ou sem fôlego para cumprir o restante do percurso dramático e histórico. Tem-se a impressão de que, querendo tratar de vários assuntos em vez de se concentrar na construção do protagonista, Campanella tropeça no passo largo. Também não é tão difícil perceber que, quem sabe até sem ter isso em mente, o diretor propõe um miolo saudosista. A degradação moral dos personagem, que deságua em uma tentativa de suicídio, tamanha é sua falta de auto-estima, simboliza uma degradação do país. Está na tela.

Durante o regime militar, apesar da repressão policial também evidenciada (de leve), havia alguma dignidade (no escritor e no país). Com o processo de democratização, e a consequente substituição dos valores anteriores (ideológicos no caso do país, artísticos no caso do escritor) pelo valor único do dinheiro, tudo vai por água a baixo. Nenhum princípio mais é válido. Se antes não se reagia às situações por haver alguma justificativa, a das mãos atadas pela ditadura, após a queda dos militares não se reage por comodismo ou passividade. E quando se age, como esboça o filme por meio de uma peça do protagonista, é por ressentimento. Nos dois casos, impera a desesperança. Está certo que, ao final, quando o personagem se dá conta de que, como a Argentina, tem de assumir responsabilidades e correr riscos para sair do fosso (e da fossa), o olhar é positivo. Mas até chegar lá as imagens já espalharam tanto desânimo pela tela que nenhum discurso destinado a nos fazer acreditar na capacidade de renovação individual e coletiva surte efeito.

Cléber Eduardo