As Alegres Comadres, de Leila Hipólito

Idem, Brasil, 2003

A seqüência inicial de As Alegres Comadres, com a pretensa idéia de ser "moderna" ou, no mínimo, esperta e metalingüística, acaba revelando parte dos defeitos do filme: ao apresentar todos os personagens principais com créditos que aparecem na tela com os nomes e definições sobre os personagens (algo assim: "João Fautso – aristocrata trambiqueiro"), o filme apenas demonstra quão óbvia e esquemática será sua relação com personagens e trama. Desde o início "aprisionados" por estas definições ou suas conseqüências na narrativa, em nenhum momento qualquer deles adquirirá qualquer resquício de vida própria aos olhos do espectador. A melhor definição para o filme, aliás, talvez seja esta: parece um paciente terminal numa maca, à espera de uma choque elétrico que possa ressuscitá-lo. Só que o choque nunca vem, e o espectador é levado, da primeira à última cena, a acompanhar com pouco, ou nada mais do que enfado a hora e quarenta de ações que se desenrolam.

Difícil falar sobre intenções de diretor, porque o cinema não é feito de um só tipo de motivação. Ainda assim é bastante curioso tentar entender a que haveria por trás da realização de tal filme: As Alegres Comadres, além de não possuir qualquer resquício de urgência que o torne vibrante ou vital (e antes que digam que filmes "históricos" não podem ser assim lembramos, ainda que rapidamente, de Madame Satã ou Os Inconfidentes), parece não só desinteressado pelo mundo à sua volta como mesmo pelo mundo interno da narrativa. Se há poucos anos tivemos Amor e Cia, de Helvécio Ratton, como um exemplo de um cinema morno e sem vibração ou permanência, este filme consegue colocar a temperatura no termômetro em uns dez graus a menos, e o morno se torna gelado. Assim é o filme: absolutamente frio, distante, protocolar. Se, voltando às intenções, deveria servir como teste de realização para a diretora, seja em termos de criação de dramaturgia seja em domínio de mise-en-scene, o experimento é fracassado.

Em nenhum momento nos interessamos por quaisquer das tramas ou personagens em cena, e os motivos para isso são vários. Das atuações entre o completamente equivocado e o simplesmente recitativo de boa parte do elenco (onde, a bem da justiça, salta apenas Antônio Petrin em suas pequenas intervenções) aos diálogos que as imagens e sons simplesmente ilustram sem criar qualquer dado novo de interesse, tudo no filme parece não funcionar. Temos um jovem casal que pretende se juntar pelo qual não temos qualquer interesse, temos um "vilão" farsesco que mais lembra o teatro infantil, temos casais maduros sem qualquer vida, temos personagens secundários absolutamente desinteressantes. É bastante doloroso ouvir falas como "essas notícias me põem completamente aturdido", onde todos os estados de espírito dos personagens parecem estar no que se diz e não no como agem ou como se colocam em cena. Se sucedem cenas e mais cenas de personagens anunciando o que farão a seguir (e fazem mesmo), ou explicando o que se deu antes, ou explicando como se sentem (onde é especialmente ruim um lento close no personagem de Ernani Moraes com um off onde ele explica o que sente/pensa). Parece, de fato, que assistimos a uma grande primeira leitura de um texto a ser encenado no teatro – só que até a peça final, pronta, parece que ainda precisaríamos de uns bons meses de ensaios.

Não custa lembrar, se alguém ainda precisa, que o texto desta peça é de um tal William Shakespeare, o que só torna a conquista do filme ainda mais impressionante já que tornar Shakespeare desinteressante é tarefa para poucos (embora deva confessar aqui meu desconhecimento sobre este texto em especial, para discutir opções específicas). Mas, independente do texto e da trama, o filme se coloca como uma farsa na qual se procura urdir uma comédia de erros só que não tem qualquer ritmo e simpatia, talvez os dois elementos principais para o funcionamento dentro deste gênero. Nos vêm a cabeça, para ficarmos no cinema bem recente, Triunfo do Amor (de Claire People) como exemplo de possibilidade atual de lidar com este gênero com galhardia e inteligência, ou até mesmo do bem mais radical Le Monde Vivant (ainda inédito no Brasil, infelizmente) como forma de brincar com o gênero ou a encenação de época. Alegres Comadres nem brinca com o seu formato nem o realiza com competência, o que torna bem difícil buscar alguma relevância em sua realização. Não nos dá nenhum prazer, muito pelo contrário, não conseguir enxergar algo de positivo num filme, mas também não se pode dourar pílula onde não há como.

Eduardo Valente