O Feitiço de Áquila,
de Richard Donner 
Ladyhawke, EUA, 1985
O Feitiço de Áquila
foi um dos vários pequenos grandes sucessos da Hollywood adolescente
dos anos 80 – foi um destes filmes em que se misturaram ao gosto do comércio
industrial de cinema os ingredientes de romance, ação, comédia
e magia... Enfim, foi um pequeno filme marcante para uma certa geração
que se encantava com o cinema jovem do período – foi o meu caso,
assim como deve ter sido de uma boa parte dos leitores.
Algumas qualidades do filme certamente
sobrevivem a uma revisão distante – mas não sem problemas.
Há algo ali tremendamente datado na sua forma pouco sutil de entregar
à platéia uma história que sacie perfeitamente sua
vontade de viajar num mundo de fantasia – forma tão pouco sutil
(e, ao mesmo tempo, não sendo nem tematizada nem explícita)
que termina por enfraquecer o espetáculo, dando-lhe às vezes
o ar de obviedade. Matthew Broderick, a encarnação do adolescente
simpático e trapalhão daquela época, sustenta bem
a empatia com o papel do "Camundongo" Phillipe Gaston, enquanto Rutger
Hauer e sobretudo Michelle Pfeiffer mantêm a aura distante do casal
perfeito, belo e mítico, que no entanto nunca se une. É
um filme de tipos – o velho padre é o divertido beberrão,
o velho bispo é a própria maldade do poder corrompido. Nada
de novo, e até aí tudo bem. O clima do filme, no entanto,
procura reencontrar o ar de aventuras medievais com tempero de romances
malditos – e aí se torna algo bizarro perceber como o nosso olhar
muda. Lutas e cenas de ação em filmes do início do
século parecem sempre filmadas de forma primária, porque
nos acostumamos a um ritmo de imagens diferente. Isso acontece no Feitiço
de Áquila – as lutas não ficam devendo nada às
de filmes dos Trapalhões. Da mesma forma, a trilha sonora, com
instrumentos e timbres totalmente identificados com a época de
feitura do filme, hoje pode se tornar um empecilho a um desavisado que
tenha a mesma intenção do público da época:
embarcar no clima das aventuras medievais – os teclados e bateria marcada
da trilha sonora irão lembrá-lo de que, antes de ser um
filme sobre a idade média, esse é um filme feito nos anos
oitenta.
Perder-se nessa limitação
do filme, no entanto, é perder o que ele tem de mais interessante.
Ok, uma obra que segue sem pudor a estética do seu tempo corre
o risco de envelhecer e soar como documento estético de certo período
histórico – mas O Feitiço de Áquila sobrevive,
tem mais que isso. Talvez não tanto quanto sobrevivia na memória
distante, mas certamente tem. Possivelmente a atmosfera de belo e forte
romance medieval do filme não se sustente numa revisão tardia,
mas ele tem seus encantos. O humor, as batalhas e o ritmo podem parecer
velhos, mas as imagens são de fato encantadoras – e aí vale
ressaltar o cuidado de Donner e do fotógrafo Vittorio Storaro em
fazer todos os efeitos visuais através apenas de truques óticos
e de montagem – todos os efeitos especiais são feitos com cortes
e truques de luz, lentes e filtros, e não por acaso estão
entre as coisas mais bonitas do filme.
Mas o mais interessante certamente
será o ponto de partida da história – não custa lembrar
que na época da produção do filme as boas histórias
duelavam com os efeitos especiais como motivo de atração
do público. Pautando-se pela história e pelo roteiro de
Edward Khmara, O Feitiço de Áquila faz a sua opção.
Há algo de realmente fascinante (sempre) na idéia do amor
eterno que não consegue se consumar. Quando o homem está
pronto, a mulher não está, quando ela está pronta,
ele não estará. Tremendamente provocador como metáfora
psicanalítica, o filme, como não poderia deixar de ser no
contexto em que se inseriu, termina por redimir a espécie possibilitando
a união final – a relação sexual que se realiza,
contrariando as previsões dos teóricos da psicanálise.
Há nisso um tom de poesia que se realiza bem e pode encantar –
mas, não dá pra negar, dentro do contexto soa um pouco como
poesia enlatada. Feita a mil mãos e trazendo a força das
boas idéias, essa poesia enlatada no blockbuster tem de interessante
também essa capacidade de nos mostrar como pode eventualmente ter
seus encantos um produto feito por uma união de artesãos,
muitos deles anônimos ou quase.
Daniel Caetano
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