Dicionário
estreantes C-F

CAFFÉ, Eliane
CALDAS, Paulo
CAMURATI, Carla
CÂNDIDO, Flávio
CANOSA, Fabiano
CARON, Eduardo
CARVALHO, Luiz
Fernando
CARVALHO, Walter
CASTRO,
Erik de
CECÍLIO NETO,
A. S.
CERDEIRA,
Nereu
CHAMIE, Lina
CONDE, Rafael
DIAS, Ricardo
DIDIER, Aloísio
EWALD,
Elizeu
FALCÃO, Renato
FELISTOQUE,
Edu (ver Nereu CERDEIRA)
FEROLLA, Ludmilla
FERRAZ,
Buza
FERRÉ, Luiz
FERREIRA,
Lírio
FONSECA, José Henrique
FONTES, Arthur
FREDERICO,
Flavio
FURTADO, Jorge
CAFFÉ,
Eliane
(1998 – Kenoma, 2003 – Os Narradores de Javé)
Os dois longas da paulista Eliane Caffé não deixam dúvida:
há uma tensão forte entre mitologia e pós-modernidade
em seu cinema. Há um desejo de fazer um anacronismo do possível,
de fazer o passado (mítico, através de histórias
de origens, de fábulas totêmicas) e o futuro (tecnológico,
impressionado com a atualidade, com o a música eletrônica
e os samplers, com a internet, com a cultura pop) coexistirem em um presente
lúdico, tanto em Kenoma, quanto em Narradores de Javé.
Mas o mais interessante de sua biofilmografia, talvez, é o fato
de que esse mesmo diálogo tenha sido produzido primeiramente em
um documentário em curta: Caligrama, de 1995. Um filme sobre
moradores de rua, mas que os filma através de um ponto de vista
lúdico, sonora e imageticamente. Nele, constroem-se realidades
através de signos meramente cognitivos. É quase um documentário
poético. Pois ele é o mito primordial de seu cinema. Seus
outros filmes seriam novos caligramas, ainda que não se repita
como diretora. É um cinema que nutre uma busca por uma ancestralidade
idealizada, é verdade, mas que não propõe essa idealização
como uma determinação. Seus filmes são mais estruturas,
sistemas que só não são puros porque se remetem para
formas realistas. A carreira de Eliane, uma psicóloga formada que
acabou indo estudar cinema em Cuba, foi recheada de prêmios, desde
seus primeiros curtas, O nariz (1987) e Arabesco (1990),
até os longas. Outro detalhe digno de nota: a simbiose da diretora
com o ator José Dummont: protagonista de seus dois longas, o ator
emprestou a Eliane o espaço físico e de linguagem sobre
os quais construir suas mitologias. Seu cinema, embora não possa
ser reduzido à pífia palavra de ordem retomadista de "diálogo
com o público", não é "difícil".
Não é pretensioso intelectualmente, embora pudesse ser.
Dele há muito a se dizer e muito a se extrair. (A.W.)
CALDAS,
Paulo
(1996 Baile Perfumado, 2000 O Rap do Pequeno
Príncipe...)
Formado em jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco, Paulo Caldas
participou do movimento cineclubista do Recife (PE), nos anos 80. Dirigiu
filmes em super-8 e os curtas Nem Tudo São Flores (1985,
16mm) O Bandido da Sétima Luz (1986, 16mm) e Chá
(1987, 35mm). Paulo Caldas pertence à geração que
despontou em meados dos anos 80 e que, na década seguinte, buscou
a renovação dos quadros da cinematografia recifense, juntamente
com Adelina Pontual, Cláudio Assis, Hilton Lacerda e Lírio
Ferreira. Esta geração mantém um diálogo muito
forte com o manguebit (Chico Science, Nação Zumbi,
Fred Zero Quatro e Mundo Livre), que também procurou retrabalhar
as tradições locais numa perspectiva pop contemporânea.
Através de Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe,
Paulo Caldas alcançou reconhecimento de crítica e de público.
Seus dois longa-metragens são co-direções (o primeiro,
com Lírio Ferreira; o segundo, com Marcelo Luna). Talvez por isso
seja difícil identificar em seu trabalho um estilo ou uma marca
pessoal. No entanto, Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe.
encontram pontos de contato na estilização do trabalho de
câmera, muito próximo à estética do clipe
e aos elaborados movimentos que nos remetem aos filmes dos irmãos
Coen. Há também uma escolha temática semelhante:
"Baile Perfumado e O Rap do Pequeno Príncipe
estabelecem, cada um à sua maneira e respeitando os horizontes
da ficção e do documentário , a relação
entre a imagem e a marginalidade, entre o cinema que constrói o
mito e a apropriação que o seu objeto documental faz desta
construção mitológica. Lampião sendo documentado
por Benjamim Abrahão não difere muito do que Paulo Caldas
e Marcelo Luna fizeram com Helinho (o justiceiro na cadeia) e Garnizé
(o baterista da banda Faces do Subúrbio). No entanto, essas
confluências estéticas e temáticas não traduzem
propriamente e com segurança o estilo pessoal de Paulo Caldas,
que pode vir a ser revelado com maior intensidade em um próximo
trabalho. De qualquer maneira, Baile Perfumado e O Rap do Pequeno
Príncipe asseguram a Paulo Caldas um lugar proeminente na cinematografia
brasileira pós-Collor. (LARM)
CAMURATI, Carla
(1994 – Carlota
Joaquina, Princesa do Brasil, 1998 – La Serva Padrona,
2001 – Copacabana)
Se existe
uma situação de "retomada", certamente seu marco inicial é o sucesso de
Carlota Joaquina, Princesa do Brasil, filme de estréia de Carla
Camurati, então com 35 anos de idade - o filme fez quase dois milhões
de espectadores, número que sempre foi muita coisa no território nacional,
mas que naquele momento era especialmente significativo. Camurati já era,
então, atriz experiente em cinema e televisão - tendo obtido reconhecimento
pelo talento e também mantido a imagem de mulher sensual - e já dirigira
também um curta-metragem de estréia, A Mulher Fatal Encontra o Homem
Ideal, em que trazia de forma irônica uma contraposição entre vida
real e sonhos modelares - um filme que já mostrava seu interesse pelo
tom farsesco. Carlota Joaquina seguiu este caminho, agora essencialmente
ligado à interpretação histriônica e calcado na agressividade das nossas
paródias de governos e costumes. Desrespeitoso e mitificador ao mesmo
tempo, o filme soube manter um diálogo cheio de bom humor com uma certa
tradição de mal-estar social já histórica. Em seguida, Camurati encontrou
um projeto pouco atraente sob aspectos comerciais mas que, de certa forma,
mostrava seus interesses como realizadora: La Serva Padrona é a
filmagem de uma opereta - musical de gênero histriônico, no caso costurado
por uma trama de subversão social. Voltou-se em seguida a um projeto mais
ambicioso e mais palatável ao público: Copacabana pretendia retratar
através de um personagem central a história da região e, ao mesmo tempo,
as diversas pessoas (sobretudo idosos) que estão ligadas cotidiana e afetivamente
ao bairro. Se tem seus belos momentos (em especial graças ao rendimento
do excelente elenco, claro), o filme no entanto parece se perder entre
a pequena crônica (quando se realiza bem) e o relato amplo (que não seduz).
Com a experiência de ter distribuído seus filmes, Camurati abriu junto
com duas sócias uma empresa produtora e distribuidora, a Copacabana Filmes.
Seu próximo projeto se mantém fiel ao interesse por farsas e à ligação
fundamental com os atores: é Irma Vap, a adaptação cinematográfica
da peça que Marco Nanini e Ney Latorraca encenaram por anos. Entre uma
certa placidez na encenação (que abre espaço para o trabalho do elenco)
e uma ousadia em desrespeitar o que se espera de um bom cinema, Camurati
consegue constantemente trazer uma certa surpresa, uma força admirável
que sempre nos surpreende um pouco em seus trabalhos.(D.C.)
CÂNDIDO,
Flávio
(1999 A Terceira Morte de Joaquim Bolívar)
Formado em cinema pela UFF, Cândido estréia em longas com
um filme tão simpático quanto de pouca permanência.
A Terceira Morte de Joaquim Bolívar é um trabalho
sintomático de uma esquerda incapaz de pensar o mundo hoje, um
filme "velho" vindo de um jovem cineasta. Às vezes esteticamente
confuso, com dificuldade de se assumir como farsa (o tom com o qual tem
seus melhores momentos), é difícil extrair desta estréia
de Cândido sinais de um projeto de cinema do qual possamos garantir
melhores frutos futuros, mas há algo em sua inadequação,
no que tem de datado, assim como na sua tentativa de dialogar com a chanchada
e Humberto Mauro (momentos dos mais felizes da história do cinema
brasileira que geração mais nova de cineastas parece preferir
esquecer) que acaba deixando escapar algum encanto para sua estréia.
Esperemos que nos surpreenda. (F.F.)
CANOSA,
Fabiano
(2001- Eldorado –
Lituanos no Brasil)
Antes de se mudar para Nova
York, onde há muito tempo mora, Fabiano Canosa foi membro ilustre
da "Geração Paissandu", tendo contribuído
para as primeiras exibições de diretores como Godard e Truffaut
ao público carioca. O trabalho que desenvolvia como programador
de filmes na cinemateca do MAM do Rio e no Cinearte UFF em Niterói
foi continuado em Nova York, cuja associação de críticos
por duas vezes (1973 e 1996) premiou suas programações junto
à distribuidora com que lá trabalha. Foi em parceria com
o cineasta lituano Julius Ziz que Canosa resolveu encarar a direção
de um filme. O resultado? Nada que rime com sua reputação
como programador de mostras e festivais: Eldorado – Lituanos no Brasil,
que passou batido por uma única sal(inh)a de cinema do Rio no final
de 2002, é um documentário estranhamente narrado em inglês
que começa burocrático (narração sóbria,
imagens de arquivo, compromisso histórico), ganha ares de investigação
poética, aborda questões raciais da maneira mais rasa possível
(o discurso inflamado de Antônio Pitanga é inacreditavelmente
descontextualizado) e termina com uma mensagem de otimismo e união
entre povos – com direito a crepúsculo matinal na praia – tão
ingênua quanto piegas. Filme realmente difícil de se compreender
e apreciar. Se Fabiano Canosa pretende dar continuidade a uma carreira
de cineasta apenas inaugurada ou não, o tempo esclarecerá.
A tirar por seu único filme, contudo, há tamanha indefinição
em relação a uma proposta de cinema que a impressão
transmitida é de que ele mais emprestou seu prestígio e
influência no meio cinematográfico (principalmente no Brasil)
a Julius Ziz (personagem e narrador em primeira pessoa de Eldorado,
ou seja, quem realmente assume a "voz" do filme), sem depositar muita
força criativa no projeto. (L.C.O.Jr.)
CARON,
Eduardo (com Mirella MARTINELLI)
(1998 Terra
do Mar)
Com experiência na
realização de curta-metragens, o casal paulista Martinelli
(montadora de diversos curtas) e Caron (com experiência em fotografia)
estréia no longa-metragem com um documentário que mescla
o mérito do ineditismo do espaço narrado (o litoral paranaense)
com as limitações de uma proposta pouco definida de dramatização.
Narrado quase que ininterruptamente por personagens locais, Terra do
Mar consegue efetuar um belo trabalho de descoberta física
de um universo, mas se enfraquece nas tentativas de expressar verbalmente
o espírito de um objeto tão vasto e nuançado quanto
o cotidiano de seus personagens. Não por acaso, a mais bela cena
do filme é justamente a da velha senhora que vive sozinha numa
cabana de madeira: sem nenhuma fala, nem qualquer explicação
de seus hábitos. Ali, por alguns minutos, o cinema do casal alcança
o lugar de encenação da espontaneidade que parece
ter lhe escapado ao longo das demais seqüências. A forma de
produção simples e o foco no desbravamento geográfico/ecológico
do país parecem tornar inesgotáveis os objetos possíveis
dos futuros projetos do casal. (F.B.)
CARVALHO,
Luiz Fernando
(2001 – Lavoura Arcaica)
Luiz Fernando Carvalho nutre uma obsessão quase doentia pela palavra
filmada. Ele parece dedicar tudo o que faz em cinema – inclusive quando
faz cinema na TV, em oportunidades fora das novelas que dirigiu – à
construção de um signo misto entre a palavra falada como
expressão e a imagem como revelação. Por isso, talvez,
tenha sido o diretor que mais longe foi no sentido de "fazer cinema"
no cinema brasileiro recente. Lavoura arcaica é um fruto
muito bem acabado de um pensamento cinematográfico que busca, ainda
que movido por um desejo – por vezes incomodamente explícito demais
– de ser guiado pelo êxtase, de construir um discurso singular sobre
o mundo. As raízes dessa construção se encontram
já no começo da carreira do cineasta, cujo primeiro filme,
o curta-metragem A espera, foi inspirado nada menos do que em Fragmentos
de um discurso amoroso, de Roland Barthes. O filme, de 1986, foi escolhido
o melhor curta nos festivais de Gramado e San Sebastian. Carvalho iria
depois para a TV: lá, foi assistente de direção de
Walter Avancini em Grande sertão: veredas. Em 1992 dirige
Renascer, novela considerada um marco de contaminação
da linguagem televisiva mais melodramática por uma dinâmica
cinematográfica. Mas o caminho trilhado até Lavoura
é mesmo o caminho da contaminação do cinema pela
palavra e vice-versa. Dois outros trabalhos dele em TV teriam a mesma
tônica: Uma mulher vestida de sol (1994) e A farsa da
boa preguiça (1995), ambos programas especiais adaptados de
textos bastante verborrágicos (no bom sentido) de Ariano Suassuna.
Raduan Nassar seria o passo subseqüente, em duas etapas. A primeira,
já definido que Lavoura existiria, foi o documentário
Que teus olhos sejam atendidos, feito em 1997/1998 para o canal
GNT. Na verdade, uma viagem feita pelos dois ao Líbano para conhecer
a cultura que sustentava o livro de Raduan. Lavoura é a
culminância desse processo, em que o trabalho de direção
de elenco, a fotografia de Walter Carvalho, e a dinâmica palavra/imagem
deixaram claro um projeto de um cinema não apenas grandioso, mas,
sobretudo, profundo. O filme impressiona até por não cair
na imagem mais óbvia um "filme brasileiro atual", não
ser "sociologizóide", embora possa até ser chamado
de antropológico. De Carvalho, é preciso dizer, é
difícil saber o que se pode esperar, pois ele já fez muito.
Seu primeiro longa de ficção é um manifesto, uma
trama contra o fascismo da linguagem. Para o futuro, o que a libertação
que conquistou pode fazer, é difícil afirmar. (A.W.)
CARVALHO,
Walter
(2001 – Janela da Alma)
No cinema da Lei do Audiovisual, o paraibano Walter Carvalho se tornou
o diretor de fotografia mais prolífico e habitual, o mais celebrado
e aquele que se transformou em uma grife. Desde 1995, fez a luz e a câmera
de quase 20 longas (sua carreira toda soma mais de 60 filmes, entre longas,
curtas e médias, sem contar seus trabalhos para a televisão,
na qual foi o primeiro diretor de fotografia a trabalhar como fotógrafo
em uma novela no país, em Renascer, em 1992), entre eles,
a filmografia inteira de Walter Salles no período. Em todos reinará
o conflito entre o fotógrafo performático, o produtor de
imagens sedutoras, quase auto-suficientes (muitas vezes usado por diretores
para que suas imagens adotem um sentido de produto) e o crítico
do "tédio da comunicação" de Paul Valery,
que põe em xeque o próprio estatuto da produção
de imagens. Pois, ao mesmo tempo em que seu nome se tornou sinônimo
de capacidade para ousar – o que fica demonstrado na corda bamba focal
que é Madame Satã ou em Lavoura Arcaica
– tornou-se também ícone de produto elegante e de qualidade,
fazendo dele o preferido de um cinema que tenta se afirmar como indústria,
com trabalhos de fácil diálogo com a audiência e que
se apóia justamente em uma visualidade sedutora, como Pequeno
dicionário amoroso e Amores possíveis, ambos
de Sandra Werneck. Sandra, aliás, se tornará um capítulo
à parte no trabalho de Carvalho: além de ter sido o fotógrafo
de três curtas e desses dois primeiros longas da cineasta, o fotógrafo
passa a condição de co-diretor de seu terceiro e mais recente
longa, O tempo não pára, cinebiografia do músico
Cazuza, agora em filmagem. Até agora, Carvalho, como cineasta,
não demonstrava interesse pela ficção: seu primeiro
longa, Janela da alma (dividido com João Jardim), e seus
projetos em ação pareciam apontar para o documentarismo,
que marca também seu trabalho como fotógrafo de imagem parada.
E, embora essa observação pareça óbvia, é
pertinente notar a centralidade dada por Carvalho em seus trabalhos como
diretor à criação de um discurso sobre a visualidade.
Seu outro longa em curso é um projeto também documental,
Filme de cinema (apanhado de histórias de personagens que
fazem ou exibem cinema, em que Carvalho ouve de diretores como Ken Loach
ou Hector Babenco a projecionistas). Além dele, Carvalho acaba
de entregar ao mercado o DVD do músico pernambucano Antônio
Nóbrega, seu único trabalho como diretor em que não
foi também diretor de fotografia. Como cineasta, entretanto, só
de Janela da alma, seu único trabalho efetivo, pode-se falar.
E, como se disse, nele estão o Deus e o diabo de Carvalho, ao mesmo
tempo o questionador da visualidade e o fotógrafo performático.
Janela traz uma câmera que procura o objeto e que padece
da indefinição que o próprio filme tem em relação
a ele: o discurso sobre o olhar e o próprio olhar. Nas mãos
de Walter, o trabalho de não fazer um filme masturbatório
sobre a visão. Por isso, produz momentos de perda de foco e se
concentra em filmar os personagens com rigores de discrição.
O resultado deste filme e a iminência da chegada de um filme em
parceria com Sandra Werneck cobram ainda de Carvalho uma definição
entre os dois papéis em que se divide. O que se pode desejar é
que ele se confirme como um cineasta menos gentil que é como fotógrafo:
seus melhores trabalhos como luz e câmera, alguns deles antológicos,
nasceram de momentos em que deixou de lado a doçura visual e aderiu
à agressividade fílmica. (A.W.)
CASTRO,
Erik de
(1999 – Senta a Pua!)
Após um curta, Erik
de Castro realiza o documentário Senta a Pua! O filme, de
acordo com seu autor, pretende abrir o caminho para um futuro filme de
ficção e uma série de TV baseados no mesmo tema e
faz parte de uma trilogia contando a participação brasileira
na Segunda Guerra Mundial, da qual A Cobra Fumou de Vinicius Reis
também faz parte. Nesse primeiro trabalho, Castro mostrou-se um
documentarista aplicado e pouco crítico, adotando um estilo televisual
anglo-saxão sem muito relevo. A admiração – legítima
e louvável – de Castro pelos aviadores veteranos torna-se um problema
ao ser o principal eixo de articulação do seu filme. Ao
dispensar distanciamento crítico, eliminando qualquer questionamento,
qualquer confronto, o documentarista torna-se o mero organizador de uma
homenagem ufanista. A presença americana no Nordeste, a participação
brasileira numa guerra européia, a integração de
esquadrões brasileiros em exércitos estrangeiros não
surgem nunca como questões a serem pensadas mas apenas como pano
de fundo para relatos de heroísmo. O projeto ilustrativo
do filme chega a ser tão claro que Castro chega ao cúmulo
de utilizar desenhos (de uma grande ingenuidade, aliás) explicitando
cenas descritas pelos entrevistados. Na falta de documentos que atestem
o que nos é contado, opta-se pela reconstituição
kitsch da cena, mesmo que isso nada acrescente. Um belo trabalho de coleta
de testemunhos, porém faltou a Erik de Castro o olhar crítico,
instrumento essencial do cineasta. Prepara agora sua estréia na
ficção, com o projeto Federal. (C.A.)
CECÍLIO
NETO, A. S.
(episódio de Felicidade é, 1998 Os
Três Zuretas)
A carreira de Cecílio Neto em curtas é uma das mais bem
sucedidas nos anos 80-90: dois de seus três primeiros curtas levam
o prêmio de Melhor Filme em Gramado (Ma Che Bambina!, de
1986; e Wholes, de 1991 – ambos filmes que lidam com a idéia
do documental com enorme liberdade), e o terceiro ganha o de Melhor Diretor
(Três Moedas na Fonte, 1988). Realiza ainda o episódio
mais interessante e desconcertante de Felicidade é, chamado
A Cruz. Sua estréia no longa (previamente chamado de A
Reunião dos Demônios, título mudado para distribuição
comercial) é igualmente bem sucedida: um raro filme sobre crianças
que não pode tão facilmente ser chamado de infantil. Talvez
funcionando melhor no registro da memória de infância (mas
ainda assim um filme plenamente assistível pelas platéias
infantis), o filme consegue, como poucos. Passar a mistura entre inocência
e perversidade tão comum ao universo infantil. Numa realização
que deve muito ao cinema de Humberto Mauro (referência assumida),
Cecílio demonstra a mesma originalidade e sensibilidade na direção
que fazia antever nos curtas. No coletivo, sua obra talvez seja uma das
mais instigantes, e ao mesmo tempo uma das menos faladas, nesta geração
que surge para o cinema nestes anos. O processo de chegada do longa ao
circuito exibidor foi bastante truncado (como a troca do título
indica), tendo demorado muito e acontecido sem qualquer repercussão
maior que a qualidade do filme merecia. Talvez por isso (fica a especulação),
não ouvimos mais de Cecílio desde então, o que é
uma pena para todos. (E.V.)
CERDEIRA,
Nereu (com Edu FELISTOQUE)
(2000 Soluços
e Soluções)
Eduardo Felistoque e Nereu
Cerdeira parecem ter um projeto de cinema em dupla. Nos dois curtas e
nos dois longas co-dirigidos por ambos, percebe-se a disposição
de filmar o homem simples, com a intenção de expô-lo
como reserva de qualidades humanas, como um resistente diante das adversidades
de seu meio. Para compor esses retratos do brasileiro bondoso em seu sofrimento,
lançam mão de uma ingenuidade às vezes comovente
em seu sentimentalismo do bem (como no curta documentário Zagati,
sobre um catador de lixo que, após achar negativos, torna-se projecionista
de filmes, e na colagem de imagens de Boi, esta menos adociçada),
às vezes contrangedora pelas limitações da realização
(caso de Soluços e Soluções). Nesse seu até
agora único longa-metragem concluído e exibido, sobre a
jornada idealista de um publicitário empenhado em resolver o problema
da seca no Nordeste, a proposta popular é sabotada por caricaturas
grotescas. Artificial em sua busca por uma brasilidade sertaneja autêntica,
vai a um outro mundo sem se deixar contaminar por ele. Pelo contrário:
limita-se a explorar o exótico e as belezas naturais, incapaz de
apreender o meio com o qual trava contato, como se a visão dele
já estivesse fechada antes da câmera ser ligada. Eduardo
Felistoque tem grande experiência como câmera e documentarista,
com algumas realizações também na produção
de videoclipes. Trabalha com cinema desde a adolescência nos anos
70. Registrou imagens de greve e conflitos estudantis como cinegrafista
para a extinta telecom do Brasil. Também foi câmera dos cinejornais
de Jean Mazon e Primo Carbonari. Nereu Cerdeira começou estagiando
na Raiz Produções, do diretor João Batista de Andrade
e da produtora Assunção Hernandez, e formou-se em cinema
pela FAAP-SP. A dupla está preparando um documentário sobre
a Mooca, bairro tradicional de imigrantes italianos em São Paulo,
mais uma vez voltado para o universo da gente simples. Será preciso
esperar para constatarmos se perderam um pouco do excesso de visão
lúdica nas imagens do povo ou se adotam esse povo para continuar
seu pálido cinema das boas intenções. (C.E.)
CHAMIE,
Lina
(2000 Tônica
Dominante)
Filha do poeta concreto
Mário Chamie, poesia e música sempre foram elementos presentes
em seu ambiente familiar. Inicia o estudo de música ainda na infância
escolhendo como instrumento o violino, que logo trocará pelo clarinete.
Estuda música e filosofia na New York University e complementa
sua formação acadêmica realizando mestrado na Manhattan
School of Music. Em 1994 retorna ao Brasil e faz o curta Eu Sei que
Você Sabe. Em 2000, vencidas as dificuldades de captação
e as interrupções das filmagens devido a um acidente sofrido
por seu ator principal (Fernando Alves Pinto), seu longa Tônica
Dominante finalmente é lançado. Mal recebido pela crítica
e pouco visto (tendo ficado pouco tempo em cartaz), Tônica,
inserido em seu contexto, é um filme atípico sob muitos
aspectos. Não contando uma estória fechada e se concentrando
mais na sugestão de climas suscitados pela trilha, o filme não
só fala da música como um motor harmonizador e organizador
da vida como também do sacrifício e da dedicação
dos que se dedicam a estudá-la. A câmera passeia por instrumentos
musicais (a ponte entre o músico e a sua arte) descrevendo suas
linhas, curvas e contornos. Constantes planos de partitura aparecem (a
música como escrita) realçando o que parece ser a intenção
do filme: descrever o universo daqueles que vivem música, e a partir
disso constatar que a chamada erroneamente ou não de "a mais pura
das artes" está presente em todos. Resta ver se optará por
dar continuidade a seu cinema bastante arriscado, e sua relação
com a música. (E.G.)
CONDE, Rafael
(2002 – Samba-Canção)
Desde 1987 realizando curtas, incluindo alguns dos mais interessantes
dos anos recentes (como o ótimo A Hora Vagabunda-1998, e
o delicado e muitíssimo bem encenado Françoise-2001),
Conde consegue estrear em longa com um filme que tematiza, exatamente,
a luta de um cineasta jovem e longe dos grandes centros financeiros do
país (seu filme se passa na sua Belo Horizonte de nascimento, moradia
e filmagens). O fato é que o filme divide as mesmas qualidades
(o tesão, a vitalidade, o humor, a cara de pau) e defeitos (a dificuldade
de manter o ritmo, o excesso de referência ao próprio cinema
travando o contato com um público maior) que o trabalho de seu
cineasta fictício, Zé Rocha (homenagens subentendidas aos
cineastas Zé Mojica Marins –que faz participação
especial no filme- e Glauber Rocha). Grande destaque do filme é
a incorporação na linguagem do longa das trocas de bitola
do filme do personagem, indo do 35mm a cores ao super-8. O filme teve
pequena visibilidade em festivais, e lançamentos comerciais pontuais
(na própria Belo Horizonte, por exemplo), mas esperamos que a continuidade
da carreira de Conde possa se dar com menos necessidade de um rancor bem
humorado como o do filme, e com muito mais tranqüilidade. Não
é fácil de se conseguir, mas não custa torcer para
um realizador que ama o cinema acima de tudo, como mostra voltando à
realização de curtas mesmo após o longa (seu novo
trabalho estréia ainda este ano, Rua da Amargura) e dando
aulas de cinema na UFMG. (E.V.)
DIAS,
Ricardo
(1996 No Rio
das Amazonas, 1999 Fé)
Biólogo e cineasta,
Dias faz em 1995 (com o zoólogo e músico Paulo Vanzolini
servindo de mestre de cerimônias) um interessante filme-viagem pelas
margens do rio Amazonas. Apesar da temática superexplorada, No
Rio das Amazonas consegue retomar essa tradição do cinema
brasileiro em servir de desbravador das fronteiras visuais do país,
conseguindo fugir, com algum êxito, dos clichês desse gênero.
Esse caráter descritivo, porém, (onde a imagem funda-se
mais como dispositivo de registro e informação do que como
espaço de encenação/conceituação) repete-se
também em Fé, de 1999. Filme painel um tanto monótono
(com ares de antropologia fragmentada e leves tons de análise sociológica),
Fé não nos leva a crer que o cinema de Dias queira
ir muito além da reprodução de um formato seco e
informativo (quiçá "televisivo"), onde o cinema
antes serve ao objeto de interesse do que o constitui enquanto imagem.
(F.B.)
DIDIER,
Aloísio
(1999 Um Certo
Dorival Caymmi)
Concilia a atividade de
cineasta com a de compositor e maestro (é responsável por
trilhas sonoras de programas diversos da Rede Globo, de telejornais a
minisséries). Em todos seus filmes interessou-se em retratar grandes
artistas e, no caso do primeiro, Brasília, Uma Sinfonia,
grandes temas: o curta-metragem é sobre a construção
da cidade e a feitura da sinfonia da dupla Jobim-Vinícius. Não
há como negar que na escolha de seus temas sempre demonstrou bom
gosto (fez em seguida Krajberg a Chico Mendes, sobre o escultor,
e Nosso Amigo Radamés, média-metragem sobre o maestro
Gnattali, iniciando uma série pensada por Didier de retratos de
grandes músicos brasileiros). Seu primeiro longa segue este caminho:
Um Certo Dorival Caymmi, como o título sugere, é
um documentário centrado na figura eterna de Dorival, gênio
da música brasileira. No entanto, Aloísio, ele próprio
tendo formação musical, não soube dar a seu filme
a beleza da arte retratada temos antes um olhar tímido,
sem encontrar originalidade nem demonstrar envolvimento, preferindo a
observação do pitoresco aliada a leituras pouco sedutoras
das canções. Parece acomodar-se em ser um retrato simpático,
com uma proximidade excessiva da tradição de programas de
televisão e, por declarações de Didier, percebe-se
que diferenciar seus filmes da produção televisiva não
está entre suas preocupações. Seu filme seguinte
(já finalizado) reúne dois interesses: Frans Krajberg e
Egberto Gismonti novamente fala do escultor e de um grande nome
da música brasileira. Já disse também em entrevistas
que pretendia fazer um filme sobre Jobim, para fechar sua série
de retratos. Pela sua ligação profissional com a música,
pode-se esperar que Didier siga adiante buscando conciliar em sua carreira
a música e os registros fílmicos, que sempre podem ser defendidos
pelo seu valor histórico intrínseco o cinema que
fez, entretanto, indica que precisa evitar acomodar-se num tom de tradicionalismo
narrativo bem-comportado e pouco inspirado.(DC)
EWALD, Elizeu
(2001 – Nelson Gonçalves, 2002 – Zico)
Difícil dizer qual o projeto de cinema de Elizeu Ewald, se é
que existe um. Saindo de Belo Horizonte, onde se formou na PUC-MG, e passando
por estudos de cinema no exterior, primeiro ele trabalha em cinema com
fotografia, e depois se envolve em direção e produção,
pelas mãos do produtor Diller Trindade (dos filmes da Xuxa mais
recentes). Diller pode ser tudo, menos um mau comerciante, e sabendo reconhecer
um bom negócio, resolve investir na área dos DVDs biográficos,
onde entra o primeiro longa de Ewald sobre o boêmio Nelson Gonçalves.
Primeiramente nem pensado para um lançamento em cinema (o qual
acaba sendo feito de forma apressada e sem distribuidora sequer), o filme
se revela um pequeno sucesso de público, e Ewald mostra uma mão
segura, graças à qual a mistura de docudrama e depoimentos
funciona bastante, tornando o filme certamente bem menos desagradável
e óbvio que o típico produto-Diller. Talvez animado com
a recepção, produtor e diretor tentam projeto bem semelhante
com Zico no ano seguinte, o qual é lançado nos cinemas de
forma ainda mais displicente. O resultado, artisticamente, é bem
inferior, talvez por conta da excessiva heroicização da
figura do Galinho de Quintino, com encenações extremamente
fracas e com um uso bastante preguiçoso do material de arquivo.
Então, fica a dúvida: será que Ewald planeja vôos
fora do esquema Diller de "faça seu filme em 6 meses",
e será que terá chances de mostrar mais da sensibilidade
vista no filme sobre Gonçalves? Ou terá que se sujeitar
aos filmes cada vez mais porcos (talvez porque cada vez mais lucrativos)
que Diller nos empurra a cada ano? (E.V.)
FALCÃO,
Renato
(2002 A Festa
de Margarette)
Diretor de fotografia premiado,
com vários trabalhos nos EUA. Aventura-se também na direção,
realizando quatro curtas: Presságio, Save-me, Um
Ato de Amor à Vida (documentário sobre a prevenção
a AIDS) e Sur-a-sur (sobre um festival de música brasileira
na França). Sua estréia em longa metragem vem com a co-produção
Brasil-EUA, A Festa de Margarette, belo exercício de cinema
sem diálogos onde a música e a sonoplastia ganham status
de protagonistas. Com um preto e branco bem contrastado, Falcão
(que no filme fez também a fotografia e a montagem) mostra que
sabe contar uma história visualmente, e insere em uma trama que
poderia ser banal elementos sociais que a tornam pertinente e melancólica.
Com esse diálogo curioso entre o cinema mudo e as preocupações
sociais deste início de milênio, Renato Falcão nos
deixa com boa dose de curiosidade acerca de seu novo projeto: um filme-ensaio
sobre o artista plástico Iberê Camargo. (S.A.)
FELISTOQUE,
Edu (ver Nereu CERDEIRA)
FEROLLA,
Ludmilla
(2000 – Anésia,
um Vôo no Tempo)
Depois de uma formação
universitária em artes plásticas, Ludmilla Ferolla viaja
para a Itália, onde aprende cinema e se especializa em fotografia.
Lá, torna-se assistente de nada mais nada menos que Giuseppe Rotunno,
fotógrafo de Visconti e Fellini. No Brasil, dedica-se ao trabalho
como documentarista. Depois de um filme para tv sobre a Amazônia,
realizou um longa-metragem sobre a pioneira da aviação Anésia
Pinheiro Machado. Anésia Um Vôo no Tempo, lançado
nos cinemas, é entretanto formatado tal qual os documentários
que costumamos ver na tv a cabo: cenas ficcionais de reconstituição
de época, depoimentos de especialistas, voz off onipresente
e didática, fotografias, documentos e filmagens da época
remendados por bons alunos algo eficientes mas sem brilho. Anésia
originalmente era um projeto de média-metragem para a televisão.
Ganhou vinte minutos a mais (que, não custa dizer, pesam mais do
que isso) e transformou-se num dos longas-metragens mais inócuos
da década passada. (R.G.)
FERRAZ, Buza
(1997 – For All – o Trampolim da Vitória)
Ator já bastante experiente, com muitas horas de vôo, em
especial em telenovelas da Rede Globo, assume a co-direção
de For All junto com seu idealizador, Luiz Carlos Lacerda. Como
em todos os casos deste tipo, enquanto não se vê mais de
Ferraz como diretor, é difícil julgar o que tenha dele especificamente
na realização deste filme (embora se possa especular quanto
ao trabalho de atores, certamente). O que, em todo caso, não chega
a ser de todo mal para ele. (E.V.)
FERRÉ,
Luiz
(1995 – Supercolosso
– o Filme)
Responsável pela
criação e direção do programa infantil que
teve a enorme responsabilidade de suprir nas manhãs da Rede Globo
a ausência da "rainha dos baixinhos", Luiz Ferré conseguiu
tamanho sucesso com suas marionetes caninas falantes da TV Colosso
que pareceu um passo natural explorar a franquia no cinema. Super
Colosso – O Filme terminou extremamente prejudicado por uma
má distribuição em salas, embora o filme não
constitua nada muito digno de nota senão o mero registro, bem burocrático,
das personagens em suporte fílmico. Restou a Super Colosso
ser rebatizado quando do lançamento em vídeo (para Uma
Aventura de Cinema da Turma Colosso), e agora resta ficar como curiosidade
de uma época que parece estranhamente remota. Formado em artes
gráficas e com experiência em teatro, o gaúcho
Ferré trabalha atualmente com publicidade. (FV)
FERREIRA,
Lírio
(1996 Baile
Perfumado)
Formado em jornalismo pela
Universidade Federal de Pernambuco, trabalhou em filmes de super-8 e como
assistente de direção em diversos curtas. Dirigiu, em 1992,
O Crime da Imagem (35mm) e, em 1995, That’s a Lero a Lero
(16mm, co-dirigido por Amin Stepple), curtas que obtiveram boa resposta
da crítica e do público. Baile Perfumado, longa de
estréia que Lírio co-dirigiu com Paulo Caldas em 1996, projetou
seu nome fora do circuito restrito dos festivais e de Pernambuco. O filme
aborda a aventura do cineasta Benjamim Abrahão, que tem como objetivo
documentar o bando de Lampião. Perpetuando na película a
figura de Lampião, o cineasta libanês acabou por indicar
o caminho mais rápido para o seu desaparecimento. A partir das
imagens feitas por ele, o Estado Novo pôde liquidar Lampião
e seu bando com maior eficiência e rapidez. O longa foi visto como
um filme renovador, por utilizar elementos da cultura pop acoplados
à mitologia do cangaço (e, nesse sentido, foram várias
as comparações, assumidas inclusive pelos diretores, com
a cena musical recifense, com Chico Sciense e o manguebit). De
fato, a contaminação entre o arcaico e o contemporâneo
é um dos vetores mais interessantes de Baile Perfumado,
muito embora não seja um aspecto realmente novo no cinema brasileiro
e no filme de cangaço. Por outro lado, Lírio Ferreira e
Paulo Caldas imprimiram à obra um tom de crítica à
própria imagem cinematográfica, e esta talvez seja a maior
novidade em relação às discussões estéticas
relacionadas ao Baile Perfumado. Lírio Ferreira pretende
levar às telas uma biografia de Cartola e desenvolve o projeto
de longa-metragem Árido Movie, com roteiro escrito em parceria
com Hilton Lacerda, Sérgio Oliveira e Eduardo Nunes. (LARM)
FONSECA,
José Henrique
(episódio de Traição, 2003 – O Homem
do Ano)
Para integrar o filme em episódios Traição,
José Henrique Fonseca trouxe Nelson Rodrigues para os anos 90 no
curta-metragem Cachorro, que, ao não se sustentar numa anêmica
verborragia, é de longe o pior dos três episódios,
aquele que mais acrescenta lipídios ao texto do escritor cujo estilo
inclui justamente a incrível concisão timbrada em seus contos.
J. H. Fonseca, um dos quatro sócios fundadores da Conspiração
Filmes, já havia realizado fitas publicitárias, videoclipes
e a minissérie Agosto, exibida na TV Globo e extraída
da obra homônima de seu pai, Rubem Fonseca (que assina o roteiro
de O Homem do Ano). Também foi assistente em Brincando
nos Campos do Senhor, de Hector Babenco, e em A Grande Arte,
de Walter Salles, com quem depois dividiria a direção do
documentário Caetano Veloso: 50 Anos. O Homem do Ano,
que marca sua estréia na direção de longa-metragem,
é adaptado do romance O Matador, de Patrícia Melo
(roteirista de Cachorro). Um típico produto-Conspiração:
bom acabamento técnico, fotografia estilizada, trilha sonora modernosa,
elenco famoso... Mas o que se vê não é propriamente
louvável: personagens tipificadas até a alma, observações
pueris acerca da sociedade e seus podres, incompreensível "geografia
criativa" do Rio de Janeiro, mise-en-scène truncada
(gags desperdiçadas por maus posicionamentos de câmera
e atores, cenas de violência esvaziadas de qualquer efeito – seja
de impacto, estranhamento ou até glamour –, obviedades do tipo
"câmera tremendo porque o cara está nervoso" e
por aí afora). Dentro do que seja a "grife Conspiração",
se nossas fichas vão todas para Andrucha, e Arthur Fontes revela-se
um "artesão" funcional, Fonseca, pelo que nos mostrou
até agora, fica com todo o estigma negativo da expressão.
(L.C.O.Jr.)
FONTES,
Arthur
(episódio de Traição, 2002 – Surf Adventures
– o Filme)
Sócio-fundador da Conspiração, é formado em
administração de empresas, com mestrado em produção
cinematográfica pela NYU. O perfil extremamente prático
que esta formação indica, Fontes parece ter levado com enorme
tranqüilidade para o cinema. Estreando com um curta extremamente
funcional em 1988, Trancado (por Dentro) (que tendo pego alguns
dos melhores momentos da vigência da Lei do Curta, foi possivelmente
um dos mais vistos nos cinemas brasileiros então), Fontes trabalha
tanto com publicidade, como com videoclipes (o de "Garota Nacional"do
Skank, por exemplo) e especiais musicais para TV. Divide ainda a direção
da série Futebol, feita para TV a cabo, com João Moreira
Salles. Estréia no cinema com o primeiro (e melhor) episódio
de Traição, O Primeiro Pecado, que, se não
alça grandes vôos com a obra de Nelson Rodrigues, a julgar
pelos resultados obtidos pelos dois outros episódios (e pelo longa
Gêmeas) demonstra ter sido a melhor opção a
se tomar, contando pelo menos com duas belas e confortáveis atuações
de Fernanda Torres e Pedro Cardoso (interpretando aqueles mesmos personagens
que tão bem dominam). Depois Fontes se volta para o universo do
surf, realizando um competentíssimo documentário ä
la Endless Summer, ao qual o maior elogio que podemos fazer é
o de causar na platéia uma enorme inveja daqueles que estão
retratados na tela (e realizando admirável trabalho de ritmo entre
imagens e trilha sonora – no que o trabalho com clipes não deve
ter atrapalhado). Dos cineastas saídos da Conspiração,
se não conseguiu os arroubos de belo autor que Andrucha vem ter
depois, pelo menos não cai na afetação mudernosa
de outros conspiradores. Antes um eficiente carregador de piano do que
um medíocre metido a craque! (E.V.)
FREDERICO,
Flavio
(2001 Urbania)
Flavio Frederico foi um
dos diversos e raros curta-metragistas que conseguiram realizar um longa
no período da retomada. Com trajetória premiada no
terreno dos curtas, nos quais prevalece a experimentação formalista de
curto alcance (caso da narrativa minimalista de Pormenores ou
da descoberta algo tardia e deslumbrada da multiplicidade de pontos de
vista narrativos no recente Ofusca), Frederico foi muito
feliz na realização do belo ensaio chamado Urbania.
Apesar de não cumprir a contento sua proposta inicial (a profunda
desarmonia entre a parte ficcional e a parte documental jamais supera a
condição de mero dispositivo), e de parecer faltar fôlego
a partir de certo ponto, Urbania é repleto de autênticas
imagens poéticas e conta com um trabalho excepcional de sua dupla
de atores. O olhar carinhoso que Frederico dispensa à metrópole
paulista nos leva a perguntar se o que falta em seus curtas é
um objeto que suscite de fato seu interesse e que lhe permita projetar
sua visão pessoal. Vale acompanhar atentamente a formação
(em curso) de um cineasta promissor. (FV)
FURTADO,
Jorge
(1995 episódio de Felicidade é, 2002
Houve Uma Vez Dois Verões, 2003 O Homem
que Copiava)
Durante anos Jorge Furtado foi tido como a grande promessa do cinema brasileiro
e esta situação, de certa maneira, exibe um pouco
a fragilidade do nosso cotidiano de fazer e debater cinema no Brasil.
A expectativa que se criou em torno do "primeiro filme do realizador de
Ilha das Flores", ao mesmo tempo em que prova o valor percebido
nos curtas do realizador, também a estes negava o carimbo definitivo:
não eram "filmes de verdade" (antes de Ilha das Flores já
fizera Barbosa e O Dia Em Que Dorival Encarou a Guarda).
Furtado cansou de se bater contra isso, e seguiu fazendo filmes fabulosos
como Ângelo Anda Sumido e O Sanduíche e participou
da produção em TV escrevendo roteiros para séries
semanais e minisséries da Rede Globo. Quando estreou a bela comédia
Houve Uma Vez Dois Verões, Jorge Furtado já tinha
43 anos de idade e em entrevistas notava que, a rigor, já fizera
seus primeiros longa-metragens antes deste. Eram Os Anchietanos
(uma alegoria política) e Luna Caliente (uma história
policial de sedução), ambos produzidos e exibidos em rede
nacional pela Rede Globo (devido a uma série de problemas, Luna
Caliente não pôde ser exibido posteriormente nos cinemas,
como chegou a ser planejado). Se Houve Uma Vez Dois Verões
encontrou seu encanto numa crônica de juventude, seu filme seguinte,
O Homem Que Copiava, nos trouxe uma estória mais complexa,
onde a empatia criada com um personagem que termina bem-sucedido como
ladrão e assassino traz ao espectador um certo desconforto com
o abençoado final feliz. Irônico e incômodo, O Homem
que Copiava, ao contrário de tantos filmes certinhos, pretende
trazer problemas por trás das soluções e o
riso pode se tornar um tanto indigesto. Furtado mantém há
anos com seus sócios e parceiros a produtora Casa de Cinema de
Porto Alegre, empresa que já participou da produção
ou distribuição de curtas e longas diversos e foi
parceira contratada das campanhas políticas do PT no Rio Grande
do Sul na última década (já recusou ofertas de outros
partidos alegando razões ideológicas). Furtado também
segue colaborando com a produção televisiva através
da ligação com o núcleo de criação
comandado por Guel Arraes dentro da Rede Globo, e segue com novos projetos
para cinema. Não há surpresa em dizer que, já há
mais de uma década, é figura fundamental sempre que se observa
o que surge de novo no nosso panorama.(DC)
Verbetes redigidos
por Alexandre Werneck, Carim Azeddine, Cléber Eduardo, Daniel Caetano,
Eduardo Valente, Estevão Garcia, Felipe Bragança, Fernando
Veríssimo, Filipe Furtado, Gilberto Silva Jr., João Mors
Cabral, Luiz Alberto Rocha Melo, Luiz Carlos Oliveira Jr., Ruy Gardnier
e Sérgio Alpendre.
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