Assassinos, de Richard Donner
Assassins, EUA / França, 1995

Alguns podem dizer que o elenco não ajuda, mas existem dois argumentos que derrubam tal explicação para o fracasso de Assassinos. Em primeiro lugar, se por um lado o protagonista e o antagonista são, respectivamente, Stallone e Banderas, por outro há a presença de Julianne Moore, atriz de talento incontestável, como a heroína positiva do filme. Em segundo, o próprio Stallone não está tão descabido na pele de Robert Rath, assassino profissional frio e pouco expressivo (as caretas de Sly são o que geralmente impedem qualquer reconsideração por parte dos detratores), e o próprio Banderas, embora se acabe em caretas e risinhos diabólicos ridículos o filme todo, já funcionou em papéis tanto anteriores ao Miguel Bain de Assassinos (nos filmes de Almodóvar em que atuou, por exemplo) quanto num trabalho recente, o Femme Fatale de Brian De Palma. No caso específico de Stallone, o papel mais próximo de Rath seria o que protagonizou no imediatamente anterior O Especialista (1994, dir. Luis Llosa), este sim uma bomba (com trocadilho, já que o filme é sobre especialistas em explosivos): o perito que trabalha(ou) para o Estado, dorme com a consciência pesada e se junta a uma mulher para fazer seu último serviço e deixar que a relação amorosa o aproxime da redenção (a mulher trazendo a polaridade positiva/passiva – beleza, amor, romance –, mesmo que o homem tenha de matar um pouco mais só para tê-la e protegê-la).

Deixando de lado, portanto, a questão do elenco como possível falha do filme, averigüemos o que há de errado com Assassinos. Não é preciso pensar muito: o problema diz respeito a uma resposta imediata ao filme, ou seja, a uma satisfação não garantida, algo imperdoável em se tratando de cinema-entretenimento. O filme é insosso, com clímax pouco inspirado, clichês mal trabalhados – apontar clichês num filme de ação de Richard Donner pode parecer redundante, mas a tarefa consiste em avaliar sua (in)eficiência. Assassinos, cujo roteiro – bastante despretensioso, diga-se de passagem – é dos irmãos Wachowski (autores de Martix), carece é de tempero. Mesmo a parte técnica não ultrapassa a marca da competência: fotografia competente do igualmente competente Vilmos Zsigmond, que usa os filtros "certos" nas horas certas e não deixa sequer um fiapo de luz vazar para o quadro sem justificativa, montagem (que segue o gosto de Donner pela composição clássica acelerada) correta e sob controle (o montador Richard Marks trabalhou em clássicos como Apocalypse Now, Serpico e O Poderoso Chefão Parte II) e assim segue, sem povoar os olhos do espectador com imagens que se auto-sustentam como puras imagens ou com cinema que se assume como artesanato (De Palma, McTiernan e Jonathan Mostow o fariam melhor) e sem provocar grandes sensações por conta da articulação narrativa que essas imagens impõem.

Dentro da filmografia de Richard Donner, um filme do qual Assassinos se aproxima bastante é Teoria da Conspiração. Ambos apresentam um universo conspiratório onde amigos e inimigos do Estado se confundem, colocando seus personagens sempre em xeque (o que Assassinos literaliza através de uma partida de xadrez jogada por Rath) e levantando aquela questão – bastante cara aos americanos – de em quem se deve confiar. Nesse ponto, o roteiro dos irmãos Wachowski, filmado por Donner um ano antes da estréia deles na direção de um longa-metragem (Bound, de 1996 - um trash with style, segundo críticos americanos), prefigura uma preocupação com a presença do big brother que seria aprofundada em Matrix. A personagem de Julianne Moore, aliás, vive num apartamento onde monitora, através de câmeras escondidas, a vida do casal que mora no apartamento vizinho, envolvendo-se passivamente com a novela daquele cotidiano: suas brigas, suas reconciliações, seus afetos (e nem é preciso citar o famoso reality show...).

Não deixa de ser curioso, contudo, ver um filme no qual se reúnem nomes importantes do cinema americano contemporâneo: a começar pelo diretor, então já consagrado como grande realizador de aventuras, e a terminar por seus roteiristas, que depois realizariam Matrix, passando por Stallone em princípio de decadência e Julianne Moore despontando como uma das principais e melhores atrizes americanas (o que hoje em dia é indiscutível), Assassinos tem lá seu charme (ainda que metatextual). De resto, é ver os heróis de Donner combatendo seus vilões sempre de sotaque estrangeiro (incluindo um russo, resquício da Guerra Fria) e arriscando suas vidas numa aventura que tem a cidade grande (Los Angeles, mais especificamente) como cenário tão real quanto fictício de manobras perigosas tão concretas quanto abstratas. Mas Richard Donner esqueceu de injetar em Assassinos as gags e as explosões de quarteirões inteiros, ingredientes que garantiram grande parte do sucesso da série Máquina Mortífera.

Luiz Carlos Oliveira Jr.