Saraceni ou a etnografia da amizade
Paulo
César Pereio e Nuno Leal Maia em
Ao Sul do Meu Corpo de Paulo Cezar Saraceni
Vocês me pediram um artigo.... Rivette,
outros, outros mais.... mas pensando bem e como estou enlouquecido com
mudança de cidade, de atitudes e de desejos, resolvi pelo meu companheiro
de aventuras e cinema: Paulo Cesar Saraceni..
Um artigo datado para o número 50
da Contracampo. Um texto sobre um cineasta contemporâneo, representativo
de uma geração do cinema com idéias e coragens...
um brasileiro. Um craque, um torcedor do Fluminense, um cineasta cristão,
roseliniano e alucinado com a vontade do fazer.
Voltamos no tempo. Anos 70. Ditadura. Mortes.
Torturas. Porrada. Encontros no Museu de Arte Moderna. Dia nublado, manhã
cinzenta, e vejo aquela figura esquia caminhando no grande vão
envolto em ecos e ventos e palavras inaudíveis. Saraceni caminha
ao lado de um amigo de minha cidade, Niterói. Marco me reconhece,
anda reto para mim e PC passa ao lado. Eu naquele ano tinha 21 anos, começava
a montar, começava a adivinhar teorias, descobrir linguagens. Desde
os 15 anos pensava em fazer cinema e cada novo dia chegava a novos filmes:
Vidas Secas, A Paixão de Joana d’Arc, Roma, Cidade
Aberta, Deus e o Diabo na Terra do Sol, O Desafio, A
Greve, Porto das Caixas, O Padre e a Moça, A
Chinesa, Casa Assassinada e muitos mais. Entrevistas no Correio
da Manhã, artigos, criticas de Alex Vianny.... Lia tudo e via tudo.
No MAM descobria cinemas nacionais na mostras organizadas por Cosme Alves
Neto e era introduzido no ato cinematográfico de apostar nas imagens
e no tempo e já tinha apreendido o que era cinema e quem eram os
autores e Sarra era um deles.
Mas voltando até aquela manhã
nublada, estranhamente cinzenta... Neste dia conheci Saraceni e comecei
a montar seu filme Amor, Carnaval e Sonho. Cantos de orixás,
atabaques, agogôs, vozes... Carnaval e dança.... Entrega,
e coragem de romper com sintaxes, forjar idéias, trabalhar a narrativa
a partir de um fio de historia retirado de Tristão e Isolda. No
carnaval, nos encontros dos orixás e na magia do sonho. Aquele
foi meu primeiro contato com o diretor e com o significado da amizade
e que um dia, ia ler em Raquel Gerber: –"... pelo fato do cinema novo
ter surgido de uma grande amizade, da qual Paulo Emilio participou, significou-lhe
que poderia surgir ainda, depois do salve-se quem puder, uma comunhão
cuja face nova ainda não se revelou" - "O Espírito do Pai",
Paulo Emilio, Glauber Rocha e o Cinema Novo.
Sendo dono de um cinema amado e detestado,
não compreendido e exaltado por críticos brasileiros e de
velhos mundos, Paulo César Saraceni um carioca nascido em 1933
é um dos fundadores do Cinema Novo. Otávio de Faria levou-o
ao cinema e ao encontro de Lúcio Cardoso ainda jovem e o viciou
na magia de Murnau, Eisenstein, e muitos mais. Em 1957 Saraceni filma
um curta, Caminhos. Depois vem Arraial do Cabo junto com
Mario Carneiro, e o primeiro longa, Porto das Caixas. Argumento
de Lucio Cardoso que desdramatiza crime praticado por uma mulher proletária,
que mata o marido a golpes de machado ficando impune, em narrativa que
ainda expõe a cidade e os personagens medíocres do seu cotidiano.
A musica de Tom Jobim, longos planos e fotografia expressionista provoca
a ira dos da época com seu magnífico, intimista, corajoso
e feminista primeiro longa metragem: "... ou o ritmo lento e os planos
longos, detestados pelos apressadinhos amantes do video-clip. Ou
ainda o misticismo e a espiritualidade exacerbados, tão longe da
inteligentsia , tão perto do povo. É uma lástima
que sua obra recente tenha sido tão mal divulgada, tão inadequadamente
comentada e tão pouco vista. Nos malditíssimos Anchieta
- 1978 e Natal da Portela - 1988, por exemplo, não posso
mentir, se encontram algumas das mais belas seqüências do cinema
brasileiro de todos os tempos." - "Viajando com Lúcio, Otávio
e Saraceni" – João Carlos Rodrigues.
Seu Cinema, seus filmes, suas idéias,
merecem a reflexão e a aposta, como tantas vezes escutei a escritora
Lygia Fagundes Teles exclamar: " Eu aposto nas palavras..." Paulo César
aposta nas imagens e no tempo. Seus filmes apostam no que de mais importante
podemos jogar – nos significados da liberdade e da amizade. Liberdade
do fazer e a amizade do realizar. Portanto vamos rever sua obra e com
a mente aberta para a arte, artistas e inventores introjetar a vida existente
nestes filmes... e para lembrar Glauber "...A silenciescandalosantropofagia
de Paulo César Saraceni o marginaliza (... ) Sua obra será
revista, recriticada, rejeitada sem preconceitos ou amada com sinceridade.
O novo dentro do novo, criador permanente que paga na primeira pessoa
a revolução cinematográfica. (...) Aprendi de tudo
com meus amigos, mas êle me conduziu ao fogo do Cinema e do Amor".
- Revolução do Cinema Novo - 1981.
Ricardo Miranda
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