Fronteiras do Crime,
de John McNaughton

Normal
Life, EUA,
1995
As primeiras imagens
de Fronteiras do Crime apresentam uma van percorrendo uma entre
muitas das pequenas cidades norte-americanas, com suas casas com quintais
abertos, espaços amplos e lojas e shoppings com imensos estacionamentos,
acompanhada por uma música que sublinha esta aparente placidez.
Vemos os ocupantes do veículo, um jovem casal com seu cachorro,
que parece estar indo às compras. Mas ao parar o carro num destes
estacionamentos, logo vemos o casal pegar em armas, não sem antes
despedir-se com um apaixonado beijo, e se preparar para executar um assalto,
frustrado pela chegada da polícia. Enquanto o homem vai preso e
a mulher foge e é perseguida, tem início um flashback que
retorna dois anos no passado, até o momento em que os personagens
se conhecem.
Chris (Luke Perry)
e Pam (Ashley Judd) estão em um bar quando ele vem socorrê-la
após ela cortar a mão ao quebrar um copo após uma
discussão com seu acompanhante. Desde este primeiro momento, já
começam a se definir claramente o temperamento dos personegens,
seja na instabilidade emocional de Pam, seja no romantismo de Chris. São
duas figuras deslocadas em seu meio: uma operária que vive com
a cabeça nas estrelas, fascinada por constelações
e telescópios e um policial novato apreciador de literatura e que
não compactua com a corrupção e brutalidade de seus
colegas. Logo os dois se casam, mas o sonho de uma vida normal, como prega
o título original, vai ficando cada vez mais distante, com uma
Pam constantemente bêbada ou drogada, fazendo gastos descontrolados,
levando a dívidas insolucionáveis quando Chris é
demitido da polícia.Mas a inclusão no sonho americano acaba
vindo por outro lado, quando Chris, sem maiores opções de
sobrevivência, resolve aproveitar o conhecimento adquirido como
policial e tornar-se um ladrão de bancos. Saldam-se as dívidas,
compra-se a casa com quintal aberto, monta-se o negócio dos sonhos
de Chris (uma livraria). E Pam, ao descobrir acidentalmente o ofício
do marido, acaba também por descobrir também o prazer no
sexo.
Em Fronteiras
do Crime, John McNaughton deixa um pouco de lado a violência
explícita e o clima exploitation de filmes anteriores para
aprofundar-se no universo de dois personagens, acabando por tecer uma
sutil mas poderosa crítica ao incessante sonho consumista americano.
Pam sempre demonstra querer um pouco mais, um mais infinito que se espelha
em sua obsessão pelos astros. E, se muitas vezes determinadas atitudes
dos personagens possam parecer inverossímeis ou pouco consistentes,
Mc Naughton acaba por torná-las críveis, fazendo do espectador
um cúmplice do casal, que em nenhum momento vem a duvidar da forte
paixão que demonstram um pelo outro. E sete anos antes de Tiros
em Columbine, já temos aqui alguma reflexão sobre a
mórbida atração do americano médio por armas
de fogo.
O que mais impressiona
no filme é a forma com que McNaughton utiliza a herança
dos filmes B para atingir uma objetividade narrativa. A atenção
dedicada à trajetória de Chris e Pam não é
desviada por tramas paralelas ou personagens secundários. A direção
é executada sem firulas, seja na composição de planos
ou na montagem; é uma narrativa calcada na simplicidade, sem que
isso acabe por se refletir em desleixo ou falta de talento, muito pelo
contrário, tudo está no seu devido lugar, com uma unidade
e intensidade dramática extremamente bem orquestradas. Esta intensidade
dramática é conduzida em um crescendo que acaba por desembocar
em uma tragédia de amor que se aproxima da força de um Romeu
e Julieta, ou, ficando no cinema, de A Mulher do Lado de Truffaut.
Mc Naughton trabalha
de maneira impressionante os espaços das locações,
as ruas, as lojas e principalmente os estacionamentos, que funcionam como
importante peça dramática na trama, seja nos encontros do
casal, seja durante os assaltos. Mc Naughton também demonstra em
Fronteiras do Crime ser um craque na direção de atores,
fazendo do Chris de Luke Perry uma figura ao mesmo tempo frágil
e decidida, bastante distante da sua imagem de galã de TV. Ashley
Judd, então, deita e rola, compondo uma personagem extremamente
rica, a quilômetros de distância do estereótipo da
gostosinha maluquete, nesta que permanece até hoje como sua melhor
atuação. E, mesmo após sua ascenção
ao estrelato, nenhum diretor voltou a explorá-la tão bem
como Mc Naughton, tanto em seu talento dramático como em seus atributos
físicos.
Por tudo isso, faz-se
lamentar que Fronteiras do Crime seja um filme tão pouco
conhecido, mesmo nos EUA, cuja distribuição em cinemas acabou
por ser boicotada pelos produtores, sendo, assim como no Brasil, lançado
diretamente no mercado de vídeo. Lamentamos também a imensa
dificuldade em se arrumar uma cópia do filme, o que acabou sendo
determinante para o atraso deste texto com relação à
edição da revista. Então, caro leitor, ao se deparar
com uma cópia, não pense duas vezes: Alugue! Assista! Esta
pode ser a sua única chance.
Gilberto Silva Jr.
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