Os Que Sabem Morrer,
de Anthony Mann
Men in War, EUA, 1957
O filme se chama Men in War, título mais simples para um filme
de guerra impossível. Título mais adequado para este filme em particular
também. Os Que Sabem Morrer é provavelmente um dos filmes de guerra
mais simples já rodados, só um bando de homens num matagal caminhando,
sem extras, a ação é mantida num mínimo, o inimigo quase invisível. Em
parte é por conta disso que se trata de um dos pouquíssimos filmes de
guerra que realmente colocam o elemento humano em primeiro lugar, e que
quando se põe a fazer uma elegia ao soldado comum parece realmente honesto.
Nisso tudo é quase que o completo oposto dos filmes de guerra recentes
(única completa exceção: Kippur, de Amos Gitai). Não chega a surpreender
portanto que Mann, àquela altura bem estabelecido como um diretor
"A" graças à série de faroestes com James Stewart e prestes a iniciar
uma seqüência irregular de superproduções (Cimarron, El Cid),
tenha retornado com o filme ao baixo orçamento, à produção independente,
rodada em preto e branco e sem o beneficio da tela larga ao qual ele havia
se adaptado muito bem.
Como
sempre nos melhores filmes de Mann, trata-se de uma jornada rumo a um
destino incerto, onde o herói (que, no caso, são dois: o tenente
magnificamente interpretado por Robert Ryan e o sargento feito por Aldo
Ray) precisa se acertar com sua consciência dividida (Ryan em dúvida
sobre sua capacidade de salvar seus homens e a utilidade da guerra que
estão lutando, e Ray assombrado pelo que já viu na Coréia). O clima
de incerteza é geral: a patrulha está perdida, completamente isolada;
não se sabe ao certo o que encontrará no final do destino, não se sabe
sequer se o regimento existe ou se a guerra ainda está em pleno
andamento. "Meu objetivo é conseguir que pelo menos um homem chegue ao
fim vivo", repete o tenente e, de fato, esta parece ser a única meta que
importa para cada homem do pelotão. O filme acaba precedendo Além
da Linha Vermelha na forma que trabalha o grupo de soldados como uma
única consciência coletiva (e nisso vale destacar o ótimo trabalho de
todo o elenco de apoio, mesmo os soldados aos quais é dado pouquíssimo
espaço, que registram como parte de um todo maior).
Anthony
Mann é um mestre da construção espacial especialmente quando filma em
locações. Seu trabalho neste ponto lembra, e muito, o de Michelangelo
Antonioni. Não surpreende, portanto, que Os Que Sabem Morrer acaba
por se revelar um filme sobre a relação do pelotão com o ambiente à
sua volta. Até mesmo os soldados coreanos parecem só existir como ameaça
na medida que surgem do meio do mato para assombrar os soldados americanos.
O resultado disso é que cada elemento da paisagem que cerca os soldados
ganha uma enorme força. Neste contexto não deixa de ser interessante notar
que, ao contrário da maioria dos filmes do gênero, o que torna
o sargento de Aldo Ray essencial para o pelotão não é a sua brutalidade
ou comportamento anti-social (ele é até o clímax do filme, o único personagem
que parece existir à parte do grupo de soldados, incluindo aí
mesmo o Coronel mentalmente debilitado que os acompanha), mas o seu maior
conhecimento sobre o terreno.
Este
trabalho chega ao auge no clímax do filme, a única seqüência que inclui
uma verdadeira batalha, envolvendo a tomada de uma colina pelo já então
bastante reduzido batalhão. A esta altura cada personagem se encontra
exausto, a posição do tenente e do sargento começam a se inverter e o
diretor transforma cada espaço ao redor dos seus soldados num reflexo
do que se passa com eles (como em todos os filmes de Mann a ação em si
só existe na medida que ela reflete os dilemas existenciais de seus protagonistas).
Neste momento Anthony Mann consegue uma sintonia perfeita entre escolha
de locações, posicionamento de câmera e edição.
Parte
da força do trabalho de Anthony Mann reside justamente aí: ele
apresenta com tamanha simplicidade, uma série de idéias e situações
complexas, sem com isso sacrificá-las. Como em todos os seus melhores
filmes, sejam de gângsters, faroeste ou épicos romanos, perceber
parte do que torna Os que Sabem Morrer um grande filme exige um
pouco de concentração e dedicação do espectador, já que alguns de seus
pontos fortes são bastante sutis, mas sem com isso deixar de perder um
tom direto, físico mesmo. A evidência do gênio está
lá, de forma simples, em cada fotograma do filme.
Filipe
Furtado
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