A Princesa Xuxa e os Trapalhões,
de José Alvarenga Jr.

Brasil, 1989
Desde a década
de setenta com O Trapalhão no Planalto dos Macacos, os Trapalhões
vêm flertando com a adaptação e o diálogo com
o cinema hegemônico. A partir do final dos anos oitenta, começamos
a ver também em seus filmes uma articulação direta
com a televisão e alguns de seus principais astros de enorme sucesso
dentre o grande público. Seus filmes começaram a estampar
invariavelmente os rostos bonitos da vez, os grupos musicais de sucesso
e, ainda, vários apresentadores de televisão (Gugu, Angélica,
Xuxa...), um apelo direto ao público que começava a deixar
de freqüentar as salas de cinema, frente a concorrência da
tv e a recessão econômica.
Ao longo de três
décadas as temáticas do grupo são muito variadas,
mas constantemente retomam as adaptações de filmes americanos
de grande sucesso de público, principalmente o adolescente. É
o caso de A Princesa Xuxa e os Trapalhões. Neste filme,
de gênero ficção-científica-estelar, Xuxa (com
atuação sofrível) é uma princesa ingênua
que cresce enfurnada em um palácio, num daqueles tais planetas
distantes. Ela é criada pelo assassino de seu pai, um ditador que
toma o poder quando ela ainda é uma criança. Para ela, o
mundo fora de seu castelo é perfeito. Sua "tomada de consciência"
acontece através do contato com o Cavalheiro sem nome interpretado
por Renato Aragão, que, por sua vez, lhe conta sobre a existência
de campos de trabalhos escravos infantis, frutos do tal ditador. A partir
daí, a princesa conhece o mundo lá fora, um mundo de catástrofes
ambientais, prestes a se tornar totalmente desértico, e começa
a traçar junto com os quatro trapalhões um plano para chegar
ao poder e estabelecer um regime democrático.
É interessante
que mesmo que lide com claras referências aos filmes de George Lucas,
os Trapalhões raramente caem na mera paródia a este tipo
de filme. O gênero é usado como ponto de partida para uma
narrativa que incorpora o imaginário popular brasileiro (que também
é televisivo) e que assim consegue um ótimo diálogo
com o público infanto-juvenil, utilizando elementos de linguagem
já bastantes explorados e de fácil acesso ao cômico.
De forma alguma este filme pode ser considerado uma cópia do gênero
de ficção científica, pois se articula de forma inteligente
e criativa com este.
O uso destes recursos
não deve ser visto como uma escolha simplesmente econômica,
uma receita de acesso fácil a altas cifras. A Princesa Xuxa
e os Trapalhões é um filme que atualiza a participação
do grupo de humoristas frente a um público que começa a
ficar mais exigente e que passa a ter, a partir da década de oitenta,
um tratamento diferenciado pela grande indústria. O adolescente,
principalmente, passa a ser considerado um segmento alvo do mercado cinematográfico,
com opções cada vez mais numerosas e diferenciadas a cada
temporada.
De que forma podemos
ver este filme com uma articulação criativa com uma cinematografia
hegemônica? Não temos uma narrativa totalmente inédita
mas temos alguns elementos externos a este gênero: é o caso
de nossos heróis estarem todos de alguma forma à margem,
excluídos social e politicamente. A origem humilde de Didi (e nordestina,
apesar de estarem em um planeta distante) é sempre evidenciada
assim como sua capacidade de sempre se dar bem, o "palhaço
malandro" que utiliza recursos simples porém inteligentes
para resolver problemas grandiosos (um personagem de nosso imaginário
bastante recorrente no cinema brasileiro e recriado por Renato Aragão).
A princesa Xuxa, símbolo do padrão de beleza europeu e da
nobreza, acaba, inclusive, se apaixonando por Didi, "o cearense feio
que fala errado"; o anti-herói. Uma inversão do que
comumente vemos na tv e no cinema, quando o destino de "belos"
e ‘feios" são sempre distintos. É uma espécie
de premiação de final feliz para este personagem que, na
filmografia do grupo, sempre tem uma compensação por seu
grande ato de salvação. Os outros trapalhões estão
também constantemente atualizando seus tipos cômicos sempre
construídos em cima de personagens do imaginário brasileiro
popular, porém raramente tem o mesmo destaque que o personagem
de Didi. É comum a pouca distinção feita entre ator
e personagem e a apropriação das experiências de vida
de cada um dos quatro trapalhões em suas interpretações
e constituições dos tipos.
Creio, assim, que
este filme deve ser visto como uma forma pouco arriscada porém
criativa de se fazer cinema no Brasil. Ele, assim como toda a filmografia
dos Trapalhões, merece uma revisão atenta para pensarmos
questões como a conquista de grande público e com isso o
estabelecimento de fato de uma indústria cinematográfica,
e para pensarmos também a relação de nossa cinematografia
com o cinema hegemônico e a televisão.
Marina Meliande
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