Trágica Obsessão, de Brian De Palma

Obsession, 1976


Trágica Obsessão de Brian De Palma

Michael Courtland (Cliff Robertson) é um homem destruído pela culpa. Ele é um empresário de sucesso, bem casado que tem a mulher e a filha seqüestradas no aniversário de dez anos de seu casamento. Michael segue as instruções da policia, mas tudo sai errado e numa tentativa de resgate frustrada, a mulher (Genevieve Bujold) e a filha acabam morrendo. Dezessete anos se passam, e Michael segue remoendo sua culpa no acontecido. Seu sócio (John Lightow) o convence a fazer uma viagem a Florença, onde ele conhece uma sósia da falecida mulher, na mesma igreja em que eles havia se encontrado pela primeira vez 28 anos antes.

Ele literalmente não viveu os dezessete anos entre a morte da esposa e o período da ação principal, como De Palma demonstra numa excelente elipse. Não lhe resta nada a não ser se torturar pelo que aconteceu. Quando conhece Sandra, a segunda mulher, agarra-a como uma segunda chance, chance esta que, como a de Carlito Brigante, nós sabemos estar condenada desde o início (ao menos da forma como Michael imagina).

Há bastante em comum com O Pagamento Final, apesar de superficialmente os filmes parecerem muito distantes. São os filmes mais emocionais do cineasta, aqueles no qual as tramas mais compelem, mesmo que mal pode se dizer que se trata de um suspense já que não há propriamente nenhuma grande surpresa e o espectador parece permanecer sempre um passo a frente do filme. O roteiro de Paul Schrader foi pensado como uma releitura de Um Corpo que Cai, mas ele e o diretor logo brigaram quando ficou claro que a visão de ambos para o material era bem diferente. Vendo o filme não é difícil imaginar o porque. Schrader mais tarde aproveitaria muito dos elementos do filme num dos seus melhores trabalhos, Forever Mine, que infelizmente segue inédito por aqui.

Trágica Obsessão é talvez o filme mais católico do diretor. Michael é torturado como poucos heróis do cineasta são (Carlito Brigante, soldado Eriksson). Sua culpa só pode ser purgada quando ele tiver a chance de se confrontar novamente com toda a situação que o levou a perca da esposa, quando ao se defrontar com a mesma imagem de dezessete anos atrás, ganhar a opção de agir diferente (é bom dizer que o catolicismo de De Palma esta sempre ligado a sua crença no poder da imagem).

É mesmo um filme um tanto estranho, hollywodiano como poucos filmes de De Palma são, mas ao mesmo tempo por baixo da superfície tomado por uma profunda dor. Michael Courtland não é só um necrófilo atormentado: assistir Trágica Obsessão, às vezes, é quase como observar um fantasma vagando com uma ferida exposta. O filme originalmente se chamaria Deja Vú, o que faz muito sentido, mas o Obsessão do título original, mais do que mera citação a Visconti, dá conta um pouco das feridas que parecem marcar o casal central do filme.

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Poucos, mesmo entre os fãs de De Palma, conhecem Trágica Obsessão. O filme não existe em vídeo, não passa na TV paga, não passa na TV aberta há anos (a Columbia americana lançou uma bela edição em DVD, comemorando os 25 anos do filme, que infelizmente não tem previsão de lançamento nacional). Mesmo na época foi pouco visto (apesar de ter sido mais bem recebido pela critica do que a maioria dos trabalhos do diretor), acabando sendo ofuscado pelo muito mais chamativo Carrie lançado alguns meses depois.

O curioso nisto é que Trágica Obsessão é um dos filmes mais acessíveis do diretor. Há um elemento de classicismo ausente nos outros suspenses do cineasta. Mais importante ainda, este é o filme mais romântico de De Palma, a encenação do cineasta ocasionalmente chega a lembrar Douglas Sirk e Vincente Minnelli. O trabalho de construção de clima e atmosfera do filme tem poucos paralelos na obra de De Palma. O espectador se quiser pode realmente optar apenas por se perder nelas. Nisso foram vitais as colaborações do diretor de fotografia Vilmos Zsigmond e do compositor Bernard Herrmann.

No caso de Herrmann a colaboração foi bem além da belíssima trilha sonora (a melhor da fase final da sua carreira). O compositor convenceu o cineasta a cortar fora todo o ultimo ato do roteiro de Schrader, o que contribui muito para clima do filme, já que o material cortado se bastante fiel às preposições mais teóricas do cineasta, prejudicaria o tom de romantismo que permeia os seus noventa e oito minutos. Herrmann também é responsável pela idéia da belíssima cena de abertura, onde uma série de fotos de Michael com a primeira esposa na época que se aconteceram são sobrepostas sobre a mansão dos Courtland. A cena estabelece tanto o tom do filme quanto à forma com que o passar do tempo acaba sendo precisamente trabalhado. O compositor, à época do lançamento, chegou a descrever o filme como proustiano, e é fácil entender porque.

Sem a combinação do evocativo trabalho de fotografia de Zsigmond e a trilha sonora de Herrmann com a impressionante mise en scene de De Palma seria improvável que Trágica Obsessão pudesse manter seu clima de sonho/pesadelo ao mesmo tempo romântico e fantasmagórico.

Filipe Furtado