Rota Suicida, de Clint Eastwood
The Gauntlet, EUA, 1977
Clint Eastwood e Sondra Locke em Rota Suicida
Quando
do lançamento de Rota Suicida,
em 1977, Clint Eastwood ocupava na indústria cinematográfica norte-americana
o posto de mais popular ator de filmes de ação, principalmente devido
ao sucesso de seu personagem Dirty Harry. Mas nos filmes que ele próprio
dirigira, desde sua estréia no ofício, em 1971, vinha investindo em alguns
personagens com um perfil diverso do truculento policial, e que demonstravam
uma faceta que poderíamos classificar de “sensível”, como o radialista
de Perversa Paixão ou o misto de ladrão de arte e alpinista de Escalado para Morrer. Desta forma, à primeira
vista pode parecer um retrocesso quando, na primeira sequência de Rota Suicida, Clint surge como um policial
pouco avesso a normas e formalidades, além de alcoólatra, a quem é designada
a missão de escoltar um prisioneiro, que posteriormente saberemos se tratar
de uma prostituta, no trajeto entre Las Vegas e Phoenix, para que essa
preste testemunho em um julgamento.
O
Clint Eastwood diretor parece, então, apostar em uma fórmula já certeira
para agradar o seu público cativo, só que, mesmo ocupando uma desfavorável
posição como o mais abertamente comercial dos filmes por ele comandados
nos anos 70, Rota Suicida guarda diversos elementos
que lhe conferem, sem que ocupe um lugar de destaque em sua obra, algumas
características marcantes ao trabalho do artista, então em processo de
amadurecimento. Considerando que Clint Eastwood sempre se destacou por
cultivar a tradição do cinema clássico norte-americano, esta tradição
está sempre presente de forma bastante intensa em Rota
Suicida, principalmente no que se refere a situações-chave de diversos
gêneros, principalmente o western.
É
mais que sabido e discutido o apreço de Eastwood ao western, e, mesmo
não sendo obviamente um filme de época (a ação é contemporânea à época
do lançamento), Rota Suicida possui características a ele
inerentes. A obstinação com a qual o detetive Ben Shockley se propõe a
entregar sua prisioneira a qualquer custo lembra bastante a do caçador
de recompensas interpretado por James Stewart em O Preço de um Homem, de Anthony Mann, apesar das distintas e opostas
motivações dos personagens, ou seja, o cumprimento do dever versus o lucro
da caçada humana. Mas ao perceber-se usado e traído, quando ele e Gus,
a prisioneira, passam a ser implacavelmente caçados pela polícia dos estados
de Nevada e Arizona, por ordem do próprio promotor que lhe havia encomendado
a missão e que seria o incriminado pelo testemunho da moça, Shockley vai
assumindo cada vez mais as características do solitário outsider que luta contra tudo e contra todos, aliando o instinto de
sobrevivência à defesa de um senso de se fazer alguma justiça, mesmo que
esta pareça um ideal utópico e distante.
A
lembrança viva dos westerns se faz também presente no próprio cenário
no qual se desenvolve a narrativa, entre Las Vegas, Nevada e Phoenix,
Arizona localizados no oeste americano, com suas paisagens desérticas
nas quais Shockley e Gus são perseguidos da mesma forma que caubóis e
diligências eram perseguidos por índios e bandoleiros. E a dupla cumpre
seu árduo trajeto utilizando-se dos mais variados meios de transporte,
como carro, moto, trem, até o ônibus da sequência final. Isso acaba também
por remeter a outra vertente do cinema classico de gêneros, os chamados
filmes-itinerário de Alfred Hitchcock, como Os
39 Degraus, Sabotador ou Intriga Internacional,
do qual a sequência onde Cary Grant é perseguido por um avião parece ter
inspirado o trecho de Rota Suicida
onde um helicóptero vai no encalço da moto onde estão Shockley e Gus.
O
relacionamento entre os dois protagonistas de Rota Suicida, mesmo em se tratando de uma fita de ação, é totalmente
construído a partir de uma matriz das comédias românticas nas quais homem
e mulher de temperamentos opostos iniciam uma convivência forçada e acabam
por se apaixonar. No filme em questão, as situações lembram de certo modo
às de Aconteceu Naquela Noite
de Frank Capra, no qual o jornalista vivido por Clark Gable escolta a
fujona herdeira Claudette Colbert, em uma acidentada viagem através dos
EUA. São bem marcantes no gênero as mudanças que o relacionamento acaba
por determinar nos personagens e em Rota
Suicida estas se demonstram mais evidentes no personagem de Eastwood,
que vai aos poucos abandonando um “perfil Dirty Harry”, tornando-se cada
vez mais descrente de seu ofício de justiceiro solitário, demonstrando
desejo de afastar-se e constituir família, acabando por se enquadrar dentro
da já citada persona “sensível” ou do herói maduro de outros filmes.
Por
outro lado, se Rota Suicida,
assim como toda a obra de Clint Eastwood, se volta para o glorioso passado
do cinema americano, nas sequências de tiroteio, e em especial em seu
exuberante epílogo, no qual o ônibus conduzido pela dupla é acossado por
toda a força policial da cidade de Phoenix e alvejado por uma infinidade
de balas, o filme acaba por de certo modo antecipar uma linha de violência
extrema e exagerada na qual os filmes de ação americanos acabariam por
desaguar na década de 1980, auge da popularidade de Stallones e Schwarzeneggers.
Também se faz interessante lembrar que Rota
Suicida data do mesmo ano que Guerra
nas Estrelas, cujo lançamento e consequente sucesso acabaria por determinar
mudanças radicais dentro dos processos de concepção e produção de cinema
de estúdio de Hollywood, mudanças às quais Clint Eastwood consegue até
hoje manter, a seu modo, uma certa linha de resistência.
Gilberto
Silva Jr.
|
|