Cavaleiro Solitário,
de Clint Eastwood
Pale Rider, EUA, 1985
Cavaleiro Solitário de Clint Eastwood
O primeiro faroeste de Clint Eastwood se chamava O Estranho
Sem Nome. Pois bem, Cavaleiro Solitário é outro estranho sem
nome. Mas também não poderiam ser estranhos sem nomes Josey Wales,
o Fora da Lei, o Honkytonk Man, Bird, O
Destemido Senhor da Guerra e tantos outros? O cinema de Clint Eastwood
quase sempre se constrói sobre uma questão de identidade. Não surpreende
que seus protagonistas pareçam constantemente apenas vagar ou que
eles costumem estar sempre atormentados pelo passado.
Quem
é o Cavaleiro Solitário? Outro Estranho Sem Nome? De fato
ambos são seres fantasmagóricos que retornam aos vivos, mas o cavaleiro
solitário não parece movido por nenhum desejo de vingança; ao contrário,
parece tentar o quanto pode evitar o confronto com o pistoleiro que pelas
vagas informações que temos o matou anos atrás. Quando o cavaleiro solitário
se confronta com seu algoz, a cena se resolve de forma rápida, como se
o diretor tivesse de retornar com pressa ao que realmente lhe interessa.
Há
um momento ainda no início do filme em que o mineiro que acolhe
Eastwood (Michael Moriarty) conta a sua noiva (Carrie Snodgress) como
o cavaleiro o salvou pouco antes. A mulher logo em seguida inicia uma
discussão reclamando da presença de um pistoleiro no lugar. Eastwood então
entra em cena vestindo uma batina; todos se silenciam e o tratamento dado
a ele muda automaticamente. O que é uma batina? Por que ela torna aquele
homem automaticamente melhor apenas por vesti-la? Ou ainda, por que a
forma como ele salvou o mineiro o tornava imediatamente um elemento perigoso?
Momentos de observação similares a este ocorrem em vários outros filmes
de Eastwood.
Há
vários outros prazeres em vista como a bela fotografia de Bruce Surtees
(um dos melhores trabalhos com iluminação natural que o diretor vem há
muito tempo desenvolvendo), algumas belas imagens que invocam toda uma
tradição do faroeste (àquela altura já morto) e a segurança com
que Eastwood narra seu filme, cada plano se encadeando com perfeição sem
que nada pareça gratuito e sempre reservando espaço para precisas digressões.
Numa delas, duas personagens conversam enquanto pela janela vemos um grupo
de mineiros trabalhando; ela dura dois ou três segundos e não tem nenhuma
função narrativa, mas sendo este filme sobre a construção de uma comunidade
(entre outras coisas), este plano de homens trabalhando (algo que, por
sinal, o cinema americano raramente mostra) tem uma força própria. É
o tipo de momento recompensador que só um cineasta como Eastwood pode
nos dar.
Uma
última observação: à época de seu lançamento, o filme foi descartado
pela crítica como um clone pálido de Os Brutos Também Amam.
Grande besteira: existem mesmo um número suficientemente grande
de semelhanças de personagens e trama para sugerir que Os Brutos Também
Amam tenha servido de inspiração para os roteristas de Eastwood, embora
a relação entre os dois esteja mais próxima daquela entre Onde Começa
o Inferno e Matar ou Morrer. Ou seja, ver Cavaleiro Solitário
só ajuda a revelar as limitações do filme de George Stevens. Afinal, se
tudo no metawestern de Stevens existe com o sentido único de uma construção
estéril do mito de um cavaleiro
solitário (e não ajuda que o diretor seja tão limitado a ponto de só conseguir
fazê-lo pela via de humilhar constantemente o fazendeiro interpretado
por Van Hefflin), Eastwood nos leva ao território oposto, e nos revela
o quão mais ambíguo e complicado pode ser esta personagem.
Filipe
Furtado
|
|