Honkytonk Man, de Clint Eastwood
Hontytonk Man, EUA, 1985
Clint Eastwood cresceu
durante a depressão da década de 30. Normalmente, criar
paralelos entre a vida do diretor e um filme é uma atividade critica
pouco relevante, mas aqui a informação parece de grande
importância. Explica-se: Honkytonk Man deve ser o filme de
Eastwood que mais deixa claro que, entre outras coisas, o cinema do diretor
é um cinema de memória.
O passado sempre é
figura central nos filmes de Eastwood, seus protagonistas parecem estar
sempre assombrados por ele. Não será diferente aqui. Red
Stovall, o cantor country tuberculoso e alcoólatra que protagoniza
o filme, também tem que conviver com o seu. Mais precisamente com
as lembranças da mulher que amou e abandonou, seu monologo sobre
ela é um momento clássico de Eastwood como poucos ("Era
apenas uma moça magricela de interior...", ele começa),
ajuda pela fotografia com iluminação natural de Bruce Surtees.
A iluminação nos filmes de Eastwood tende a encobrir os
personagens nas sombras quanto mais ligados ao passado eles e o filme
sejam.
Mas não é
só Red que esta impregnado pelo passado, o filme todo parece estar
assim também. Não só alguns de seus melhores momentos
envolvem personagens relembrando de seu próprio passado (o monologo
de Red, John McTire relembrando a corrida de cavalos que participou para
ganhar terras quando emigrou pela primeira vez), como cada plano parece
sugerir que estamos numa grande viagem pela memória de alguém.
Não deixa de ser significativo que o filme seja narrado por um
garoto de onze anos e que este seja feito por um dos filhos do diretor.
A depressão
que emerge de Honkytonk Man é uma que não deixa de
ser marcada por precisas observações sobre os problemas
sócio-econômicos que marcaram o período, mas é
também uma cheia de pequenos momentos alegres. Em fato, apesar
de toda a melancolia que traspassa o filme, parte considerável
de Honkytonk Man é de passagens cômicas, muitas delas
a partir de situações que a principio nada tem de engraçadas.
Se Honkytonk Man
é o filme de Eastwood que mais invoca o cinema de John Ford, ele
não se associa mais fortemente a As Vinhas do Ira (como
seria de se esperar), mas aos posteriores Como Era Verde o Meu Vale
e Depois do Vendaval. Ford, afinal, mantinha uma relação
ainda mais obsessiva com o passado, e uma necessidade de mante-lo vivo
de alguma forma é aparente na maior parte dos seus filmes. Esse
espírito reaparece de forma clara em Honkytonk Man.
Não cherga
a surpreender também que se o filme é um road movie, ele
é um que freqüentemente invoca o western e o musical, dois
gêneros já tidos como quase mortos em 82. Ou que o filme
faça freqüentes referencias discretas a outros filmes do diretor
como os personagens que tomam carona ou cruzam com Red se assemelhando
as caravanas que seguem Eastwood em Josey Wales, o fora da lei
e Bronco Billy ou uma ponta de Jéssica Walter, que havia
feito a vilã de Perversa Paixão, ou a utilização
de zoom idêntico ao de uma cena-chave do mesmo filme próximo
ao fim.
Honkytonk Man
foi um grande fracasso, permanece hoje como o filme mais obscuro do diretor
depois de Breezy (73). Ele foi feito logo após de um dos
seus maiores sucessos Firefox, um dos seus filmes aparentemente
mais comerciais, mas ao mesmo tempo um dos mais austeros e pessimistas.
Ambos se constrói como jornadas rumo a morte, mas em quase tudo
Honkytonk Man parece um oposto do anterior, um suspense de Guerra Fria.
Ao final Red Stovall pode morrer, mas antes lhe é dada a chance
de pela primeira vez registrar algumas de suas canções em
disco (um esforço que agrava a sua saúde, mas que ele dispõe
a fazer mesmo sabendo no que acarretaria).
O filme não
deixa de certa forma de se encerrar de forma triste e melancólica,
mas a ultima coisa que vemos é a canção-titulo do
filme, e o "testamento" de Red, sendo executada pela primeira
vez numa rádio, quase como se a nos lembrar da passagem anterior
em que ele e o garoto compõe a mesma, talvez a seqüência
mais agradável do filme. Os créditos sobem sobre a câmera
fixa que observa os personagens desaparecem lentamente (um encerramento
constante dos filmes do diretor) enquanto ouvimos a canção,
como a nos lembrar de como o passado permanece nosso presente .
Filipe Furtado
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