APRESENTAÇÃO A estréia de um novo filme de Clint Eastwood é motivo de júbilo para qualquer cinéfilo que se preze. Último gigante do cinema clássico, Eastwood inscreveu seu nome na mais rica tradição do cinema norte-americano (que remete a Ford, Hawks e Walsh) com uma sucessão inigualável de obras-primas lançadas ao longo da última década. Embora Dívida de Sangue, seu mais recente trabalho, nos pareça um filme decididamente menor – certamente o maior deslize do mestre desde Rookie (1990) –, a fidelidade quase obsessiva aos seus principais temas demonstra uma coerência de propósitos capaz de provocar inveja em qualquer cineasta. Não se espera menos que a excelência num filme de Eastwood, razão pela qual as oscilações na narrativa de Dívida de Sangue – assim como sua dependência excessiva das convenções de gênero – parecem desviantes numa obra que caminha passo a passo rumo à mais cuidadosa depuração formal. Este FOCO propõe um retorno aos primeiros passos desta caminhada, momento em que Eastwood transita com inegável desenvoltura e personalidade pelos gêneros que lhe valeram o status de ícone (notadamente o western e o policial) e faz uma primeira aproximação às obras de cineastas que lhe servem de fundamento (Hitchcock, Ford, Hawks, Leone, Siegel), realizando uma insuspeitada operação de reformulação da persona construída em suas parcerias com Siegel e Leone com desdobramentos inusitados. Assim, o estranho sem nome da trilogia de Sergio Leone, o anti-herói sem passado avesso à toda ordem de valores éticos do oeste mitológico, cede lugar gradativamente ao conturbado Josey Wales, amargo depositário da herança de sofrimento e rebeldia do sul norte-americano; Harry, o sujo – sua versão urbana –, passa por mudanças não menos notáveis em Impacto Fulminante ou mesmo na pele do policial de Rota Suicida. O Eastwood ator, nas mãos do Eastwood diretor, abandona calculadamente sua impressionante presença física em função de uma construção marcada pela ausência, qual um fantasma. A alternância entre os projetos de maior apelo comercial e aqueles de cunho pessoal nos parece uma falsa proposição para abordar o cinema de Eastwood. Cada um de seus filmes, sem exceção, é peça elementar para a compreensão de uma obra tão articulada quanto plural. Desta forma, não se deve interpretar a ausência de Escalado para Morrer (1975), Firefox (1982) e O Destemido Senhor da Guerra (1986) como uma posição qualquer desta pauta, mas como uma limitação sua. Não há qualquer pretensão de completude e nem poderia haver, uma vez que Interlúdio de Amor (Breezy, 1973), seu terceiro filme (o primeiro sem Eastwood como ator), permanece inacessível em qualquer formato de video. Nossa pauta se encerra com o reconhecimento obtido com Bird (1988), quando Eastwood recebe seu primeiro prêmio importante como cineasta em Cannes. Os filmes realizados daí em diante surgem aqui e ali transversalmente nos textos que compõem este FOCO. A divisão aqui proposta tem uma única finalidade e não expressa, insistimos, um juízo de valor: pretendemos chamar a atenção para um período negligenciado em grande parte da manifestação crítica acerca do cinema de Eastwood. Se conseguirmos provocar o interesse do leitor em (re)descobrir algumas das mais ricas variantes desta obra magnífica, teremos cumprido nossa função. Boa leitura a todos! Bruno Andrade e Fernando Verissimo
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