Bronco Billy, de Clint Eastwood
EUA, 1980
Justa
e merecidamente, Clint Eastwood costuma citar Bronco Billy como um dos favoritos estre os filmes que dirigiu, e
não esconde guardar um certo desencanto pelo fato do filme não haver sido
sucesso quando de seu lançamento, permanecendo pouco conhecido até hoje.
Indiscutivelmente trata-se de um trabalho sui
generis na carreira do diretor, principalmente por se tratar de sua
única comédia. Na época, Clint vinha de um grande sucesso no gênero, com
Doido para Amar, Louco para Brigar (1978),
que gerou uma continuação, Punhos
de Aço (1980), dirigidos respectivamente por James
Fargo e Buddy van Horn. Só que estes dois, nos quais Clint encarnava o
lutador de rua Philo Beddoe, seguiam uma linha que beirava o pastelão
e sua maior graça residia em um orangotango chamado Clyde. Já com Bronco Billy, a opção foi seguir uma linha
de comédia romântica e sentimental, com declarada inspiração em Frank
Capra.
O
personagem título é o líder e principal atração de um circo mambembe,
que percorre o interior dos EUA encenando números com personagens do velho
oeste. Então Billy é o caubói ágil no revólver e na faca. Temos também
o casal de índios Água Grande e Água Corrente, que encena uma dança com
cascavéis; Leo, exímio no manejo do laço; além de Lefty, que usa uma mão
de gancho e Doc, o mestre-de-cerimônias. Logo na primeira sequência, vemos
que o circo passa por dificuldades: o público anda escasso, o índio é
picado pela cobra e Billy perde mais uma assistente de palco após feri-la
com a faca durante um número. É quando surge Antoinette Lilly (Sondra
Locke, então mulher e parceira constante de Clint), uma antipática ricaça
novaiorquina que, após um casamento de conveniência, é abandonada pelo
marido em um hotel de beira de estrada, juntando-se ao grupo, a princípio
para uma carona e acabando por se tornar a nova assistente.
Claro
que Billy e Lilly viverão um tumultuado romance, e a linha de comédia
romântica, já esboçada por Clint em sua direção anterior, Rota suicida, é aprofundada de maneira mais que eficiente, apesar
das limitações de Locke como atriz. Mas o principal mérito de Bronco Billy reside na ambientação e situações
que cercam o romance, uma vez que todos os membros da trupe não passam
de farsantes, que assumiram seus personagens de forma a fugir de vidas
frustradas e realizar sonhos pessoais. Assim, quase todos são ex-presidiários;
Billy vendia sapatos em New Jersey até mais de 30 anos, Leo é um desertor
do exército, Doc é um médico charlatão e o casal sequer possui ascendência
indígena. Todos constroem ali uma Disneylândia pessoal, na qual não importa
ganhar dinheiro (o circo, por sinal, mal se paga), mas sim viver a vida
que sempre se desejou, conforme é explicitado quando Água Corrente diz
a Lilly: “Você não entendeu do que se trata o Bronco
Billy Wild West Show? Aqui você pode ser qualquer coisa que quiser,
basta ir lá fora e assumir o personagem”. E o roteiro, escrito por Dennis
Hackin acompanha o processo durante o qual Lilly abandona seu passado
e incorpora a nova personalidade.
Clint
Eastwood faz de Bronco Billy
uma das mais belas odes ao sonho e a fantasia. Voltando a Capra, seus
personagens têm muito da riqueza poética e da saudável sandice de Do Mundo Nada se Leva, sendo um psiquiatra o mais maluco em cena.
É preciso atravessar muitas dificuldades para que se confronte a realidade.
Assim, as discussões sobre falta de pagamento logo são dispersas pelo
carisma de Billy, e as explicações para o fracasso do grupo acabam sendo
determinadas por uma onda de azar causada por Lilly. Mesmo quando um incêndio
destrói a lona do circo, a primeira opção para arrumar dinheiro é o frustrado
assalto a um trem. Com Billy montado ao cavalo e o resto da turma num
jipe, vestindo suas fantasias e apontando armas, eles sequer conseguem
abordar o comboio, numa brilhante sequência, ao mesmo tempo poética e
patética, que sintetiza o filme. Também dentro do espírito de Frank Capra,
Bronco Billy valoriza a soliedariedade humana, que guia seus personagens
acima de tudo, levando até mesmo o orgulhoso Billy a humilhar-se perante
um xerife para livrar Leonard da cadeia, ou fazendo pessoas tão duras
quanto eles a contribuir com uma vaquinha para cobrir os prejuízos do
incêndio.
Mais
que constante na obra de Eastwood, e fortemente presente em Bronco Billy, temos mais uma vez a refexão
sobre a preservação dos mitos do velho oeste na cultura americana. A decadência
do espetáculo reflete o quase desaparecimento do gênero entre os filmes
da época e o idealismo dos personagens pode ser considerado um reflexo
do próprio idealismo do autor, sempre preocupado em cultivar o western
em sua obra, por mais que este soasse anacrônico ou obsoleto. Mas mesmo
assim, sua influência sobre o imaginário popular nunca poderia ser subestimada,
o que pode ser demonstrado pela popularidade de Billy entre as crianças,
como destaca a letra da canção que abre o filme, “...everybody
loves cowboys and clowns...”.
E
mesmo falando de coisas tão americanas, a temática de Bronco Billy é indiscutivelmente universal, uma vez que seus personagens,
acima de tudo bravos sobreviventes e, a seu modo, marginais, poderiam
ser considerados quase primos distantes de nosso Lorde Cigano e sua caravana
Rolidei. Da mesma forma que o circo de Bronco
Billy, os protagonistas de Bye
Bye Brasil, lançado por sinal na mesma época, vendem acima de tudo
sonhos, como a neve no sertão, preservando raízes em um mundo em transformação.
Gilberto
Silva Jr.
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