Paralelas e Transversais
As Ondas, de Nagao Naoki
Rumorejos, de Janez Lapajne


Sazakanami, Japão, 2002
Selestenje, Eslovênia, 2001

O mais difícil de ser humano não é somente existir (embora isso já seja um peso bem grande ocasionalmente), mas principalmente, existir em sociedade. Ou seja, o contato com outras pessoas, que é no fundo tudo que temos, é também profundamente complicado, trabalhoso, cheio de ruídos de comunicação que acabam muitas vezes nos afastando mais do que aproximando. É por caminhos absolutamente opostos que dois filmes de lugares tão distantes tratam destas mesmas dificuldades.

Se pensarmos pelo viés do clichê, As ondas se encaixa às mil maravilhas no estereótipo do cinema oriental. Mas, precisamos ir mais longe, mergulhar um pouco neste retrato rápido para entendê-lo. Pois há na cultura japonesa uma série de características que o cinema feito lá não poderia deixar de espelhar, afinal. Uma profunda ritualização do cotidiano, a dificuldade em se abrir e expressar com palavras (ou mesmo gestos) o que se sente, uma distância respeitosa (física e emocional) entre as pessoas. Este filme tematiza diretamente cada um destes pontos: as pessoas parecem ser como as ondas que fazem os pingos da chuva na água: concentradas em torno de si mesmas, até chegam a se tocar, mas logo desaparecem.

Temos aqui, essencialmente, uma mãe e uma filha, cada uma delas vivendo profundos dramas emocionais. O filme vai se posicionar em torno da tentativa de ambas de lidar com estas questões, e de finalmente, trocar entre si suas angústias, o que elas acabam não conseguindo fazer. Neste sentido, As ondas é um filme profundamente melancólico: ao final, seus personagens estão tão sozinhos quanto estavam no início. A imagem-síntese está no momento em que mãe e filha tiram uma foto durante viagem turística: neste momento que é para ser guardado como uma lembrança feliz, elas mantêm uma distância austera e respeitosa entre as duas, mostrando que há ali um abismo de comunicação intransponível.

A filha tenta seguidamente comunicar-se ("Eu estou...", "eu estou..."), mas nunca completa a frase, ou quando a completa é com uma informação outra, desimportante, mudando o assunto. Quem dá a senha do entendimento do filme é um personagem secundário, médico, que ao falar de uma especificidade de sua profissão, na verdade fala da dificuldade de todos (e aí, não só na sociedade japonesa) de dividirem experiências pessoais com outros. Ele fala da solidão do médico, usando como exemplo quando um paciente chega reclamando de uma dor que exames não acusam. Como o médico pode entender de fato o que aquela pessoa sente, se é de verdade ou não, se é grave ou não?

Para contar essa história (que obviamente não possui começo nem fim, só meio), o diretor usa uma câmera parada constante cujos enquadramentos e trabalhos de tempo cinematográfico lembram imediatamente Ozu, é lógico. Mas o filme tem força própria, especialmente pela capacidade de ir lentamente nos aproximando daqueles personagens, entendendo nas menores sutilezas o que mexe com eles. Esta falta de pressa, misturada com um rigor estético que nada tem de formalismo, é que empresta ao filme uma transcendência e universalidade, mostrando que fazer cinema sobre o ser humano pode ser tão simples quão complexos nós somos.

Assim como são simples e complexos os relacionamentos em Rumorejos, que trata especificamente da equação das relações amorosas, traçando uma ciranda entre as que terminam e as que começam. Aqui, pelo oposto direto do filme japonês, fala-se e explana-se muito, tudo, excessivamente. Mas as pessoas acabam se entendendo tão pouco quanto no outro filme. Não parece ser o número de palavras, portanto, o fator primordial da solidão. Ao contrário do incômodo silêncio, aqui o que pode incomodar o espectador é o exagero do palavrório, do nível de ofensas praticadas. Mas quem nunca viveu o rancor que vem junto com a tristeza no fim de um longo relacionamento? Aqui, como no outro filme, parte-se de um fato grave sobre o qual os personagens, num primeiro momento, não conseguiram falar. Quando pegamos o filme (também aqui não há começo e fim, pegamos os personagens num ponto e os largaremos em outro por inevitável que isso seja), eles já estão se comunicando. Mas as palavras os fazem mais mal que o silêncio.

Esteticamente, o filme também se opõe ao japonês, usando a câmera na mão em tecnologia digital. Mas, que não se assustem, no caso isso não é desculpa para porqueiras de trabalhos de enquadramento ou mesmo para um vazio de conteúdo que se disfarce de "naturalismo", pelo contrário. Apesar das atuações em chave realista, há na encenação uma certa teatralidade muito bem trabalhada. Em ambos os filmes, mas aqui no esloveno de forma mais sutil ainda, trabalha-se com elipses temporais que eliminam algumas das ações centrais da trama, e ficamos com as consequências destas, uma opção que demonstra respeito pela inteligência do espectador e uma falta de desejo de se expressar pelo óbvio.

Igualmente fascinado pelos seus personagens, no filme esloveno podemos sentir o amor e o desejo de mostrar a beleza mesmo nos atos mais mesquinhos das pessoas. Beleza no sentido exato de estar ali, naqueles momentos aparentemente tristes, a confirmação de que somos todos humanos, afinal. E que mais complicado do que ter pessoas boas e más no mundo, é ver que mesmo pessoas boas podem nos machucar muito, sem deixar de serem boas. Ambos são filmes doloridos porque nos lembram que estar junto, dividir, pode ser tão difícil quanto estar sozinho. Mas, não podemos evitar de tentar o contato, que é sempre aquilo que nos resta.

Eduardo Valente