O
Crime do Padre Amaro,
de Carlos Carrera
El
crimen del Padre Amaro, México/Espanha, 2002
Desde a sua estréia em Agosto, o filme O crime do padre Amaro
é um dos temas mais questionados e discutidos em todo o México.
A opinião publica está dividida entre os que o veneram e
os que o odeiam. Não há meio termo, após a projeção
as opiniões nascem e ocupam os dois extremos. Ao mesmo tempo que
ele entrou na história do cinema mexicano como o filme que mais
rendeu em um fim de semana de estréia lotando 400 salas com cerca
de 800.000 expectadores, grupos católicos protestavam na porta
dos cinemas contra a sua exibição. Jovens distribuíram
panfletos dizendo que quem realmente ama a virgem Maria não devia
assistir o filme, pois este a humilha. A polêmica aqui promovida
pelo Cidade de Deus foi insignificante se compararmos à
dimensão que O crime do santo Amaro obteve em seu país.
Transpondo para o
México rural a estória extraída do romance homônimo
de Eça de Queiroz o jovem realizador Carlos Carrera abre abruptamente
uma ferida que há muito estava escondida na sociedade mexicana.
Gael Garcia Bernal (Amores brutos, E sua mãe também),
o interprete do personagem-título, disse em entrevista que o filme
é apenas um espelho que o México não está
acostumado a olhar. Ressaltamos que esse espelho reflete um país
onde 90% de seus 100 milhões de habitantes são católicos.
A polêmica originada
pelo filme reside justamente no fato do tema ter sido pouco abordado.
Assuntos que envolvem corrupção de eclesiásticos
são geralmente abafados, logo afastados do domínio público.
Houve pessoas que classificaram o filme de absurdo porque na opinião
delas ele retrata situações que nunca aconteceram na realidade.
Para elas é simplesmente impossível um padre infringir a
lei do celibato e brincar com os símbolos religiosos daquela maneira.
Uma dessas brincadeiras
acontece em uma das cenas mais criticadas pela igreja. Amaro está
com a sua amante, a adolescente Amélia (Ana Claudia Talacón),
em um quarto e antes de fazerem amor, ele a cobre com o manto da virgem
Maria. Elaborada de forma delicada e sutil a cena é uma bela solução
visual para sugerir a idéia de que mesmo não abrindo mão
do prazer proporcionado pelo amor carnal, o protagonista ainda mantêm
as suas convicções sobre virgindade e pureza.
O conflito de Amaro
é esmiuçado. Devorado por seu impulso sexual e reprimido
pela pressão do celibato a escolha do proibido é inevitável.
Optou-se por uma outra vida, secreta e clandestina mas que logo será
engolida pela principal, a oferecida á sociedade. Esta, estimula
e promove a hipocrisia pois a verdade não é para ser dita,
a omissão é um de seus mais poderosos pilares. Baseado nesse
sistema, o padre Benito aceita doações de um narcotraficante
e mantêm um romance com a devota Sanjuana, mãe de Amélia.
Todos escondem de alguma forma um obscuro segredo nascido da liberação
de um desejo sufocado. Se por um lado a sua consumação causa
alívio, por outro ela ocasiona uma culpa difícil de se extrair.
A opressão
perfuma a atmosfera do pequeno lugarejo de los Reyes, embriagados pelo
seu cheiro os habitantes se entregam ao fervor religioso como uma forma
de silenciar os seus impulsos. As tentações são diárias,
pertencem ao cotidiano e exercem um incrível fascínio sobre
eles. Como os devotos, os membros da igreja também são fracos
e uma vez submetidos ao comando dos desejos a vergonha e o orgulho os
impedem de abandonar o sacerdócio. Enganando a própria consciência,
eles criam mecanismos que encobrem a sua vida secreta e permanecem pregando
o oposto do que praticam. Longe de ser um filme anti católico,
marcado pelo ódio à igreja como tem sido dito, O crime
do padre Amaro é acima de tudo um ataque à hipocrisia.
Estevão Garcia
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