Irreversível,
de Gaspar Noé
Irreversible,
França, 2002
Irreversível poderia ser um ótimo filme. Esquecendo
que sua estrutura de roteiro é idêntica à de Amnésia, ele ainda
assim possui elementos que indicam apuro estético acima da média. Os planos-sequência
muito bem planejados, com câmeras rodopiantes e atuações bastante convincentes,
antes de parecerem banais confirmam um rigor excessivo na decupagem e
direção. O efeito é quase documental que dá uma guinada com naturalidade
para o delírio. É um prazer descobrir um filme que faz bom uso de gruas
e outros aparatos técnicos, empregando-os com critério e subordinação
à narrativa que constrói.
Mas o erro de Irreversível
se impõe. O rebuliço que esse filme causou no Festival de Cannes desse
ano não de deve a essas qualidades. Permeando toda a ação, está sempre
um excesso de realidade, mas que muitas vezes descamba para uma violência
sem medida que choca, causa repugnância e revolta contra não se sabe o
que. Não dá para apontar aí um erro simplesmente. Se as bases da narração
são colocadas na capacidade que o filme tem de justamente parecer tão
real, aqui a violência como é mostrada não faz mais do que cumprir seu
papel de coadjuvante. Mas é impossível encará-la assim. Ela transborda
e não deixa escolha nem descanso para o expectador. Dá vontade de perguntar
ao diretor o que fizemos de tão errado para ele nos agredir dessa maneira.
Isso explica a recepção em Cannes e com certeza os comentários que ainda
vamos escutar por aqui.
Há momentos em que a
câmera parece uma intrusa. Em outros ela perde totalmente o controle.
Tudo parte de um bem sucedido plano de conduzir o público para dentro
não só dos acontecimentos, mas da raiva e sentimento de revolta que os
personagens passam a demonstrar. Noe no final nos deixa uma questão difícil
de estudar. O ponto alto de Irreversível é essa habilidade de envolver
o expectador. Mas o preço pago pelo filme é ser apelativo e demasiadamente
dependente do conteúdo chocante da violência que quer debater.
João Mors Cabral
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