À Espera da Felicidade,
de Abderrahmane Sissako

Heremakono / En Attendant le Bonheur, Mauritânia/França, 2002


À Espera da Felicidade
nos encontra mais ou menos no mesmo lugar que havia nos deixado em A Vida na Terra, seu primeiro longa (e, junto com O Buraco, de Tsai Ming-liang, mais bem-sucedido filme da série 2000 Visto Por...). Não tanto no lugar geográfico, mas no existencial. Estamos novamente perdidos numa pequena cidade da África ocidental, e pouco importa que seja Sokolo no Mali ou Heremakono na Mauritânia: os afetos da cidade e das pessoas são definidos da mesma forma: ócio improdutivo, esvaziamento existencial, afecções mínimas de cada personagens, relações tão ressecadas quanto o Saara que está ali próximo.

O tema que rege o filme, como o título já indica, é o da espera. A série de pequenos episódios (quase esquetes) que povoa o filme – um garotinho aprendiz às voltas com seu mestre eletricista tentando acender a luz nas casas da cidade, uma jovem moça que aprende com sua ancestral a tocar um instrumento, um adolescente vindo de uma cidade mais evoluída que não consegue se despir de seus traços ocidentalizados – tem sempre como motivo principal o entruncamento, a fissura, a falta de comunicação e de movimentos exatos. O ritmo do filme acompanha seus personagens: ele se move de forma estranha, lenta e desconhecida, sempre por aglomeração de dados que pouco se explicam e encantam pelo seu mistério. O talento de Abderrahmane Sissako reside aí: filmando pequenas localidades da África para tentar dar conta do estado existencial e político do continente, ele não deixa o discurso meramente panfletário tomar o lugar do fino senso de observação e de registro do ritmo e da vida dessas cidades, extraindo do banal alguns belos momentos de poesia.

Em A Vida na Terra, Aimé Césaire era invocado para falar da pena e da coragem que é viver num continente esquecido que não consegue se erguer. Nesse filme, nenhum discurso, em off ou não, vem sobrecodificar aquilo que estamos vendo. Se a faceta política de À Espera da Felicidade se dá, é antes derivada da situação dos personagens. Isso nos dá um filme certamente menos claro – aqueles pouco acostumados com esse tipo de cinema poderão ignorar a dimensão política do filme –, mais fragmentado e disperso, mas sem dúvida empolgante como coloca as situações. A do jovem ocidentalizado, por exemplo: volta e meia ele é colocado em situações que o explicam, mas jamais o tema da ocidentalização dos africanos é mencionado diretamente. Da mesma forma, o destino do eletricista da cidade não deixa de ser uma metáfora um pouco óbvia e um diagnóstico um tanto fatalista da África: aquele que transforma a treva em luz morreu, e mesmo vivo já encontrava mil e uma dificuldades para realizar seu trabalho.

De onde talvez o maior senão do filme, que é aparentemente seu discurso mais direto, a partir do título e depois de visto o filme: se nada é possível construir de dentro daquele lugar, o que estarão os personagens do filme esperando? A resposta possível parece ser: ajuda externa. Como os movimentos negros nos EUA dos anos 60 até as contestações de grupos de rap como Public Enemy nos anos 80, eles querem que o Ocidente escravizador se dê conta de que é responsável pela situação em que deixou uma população negra ou um continente inteiro, e volte para de alguma forma para consertar o que foi feito. Mas o filme, na falta de uma opção de autodeterminação dos africanos (coisa visível nos movimentos de independência dos anos 70), não entrevê senão uma saída assistencialista que, se é a opção mais factível, certamente não é a mais honrada de ser pedida. Pois, como já dizia Spinoza, a caridade faz parte dos afetos de tristeza.

Ruy Gardnier