Paraíso,
de Tom Tykwer
Heaven,
EUA/Inglaterra/França/Itália/Alemanha, 2002
O cinema internacional da produtora Miramax encontra a síntese
da proposta multinacional em Paraíso. Reunindo celebridades
cinematográficas de vários países, de modo a globalizar
o staff para acentuar a universalidade do tema, o filme parece uma reunião
artística na Nações Unidas, fruto da associação
com empresas de quatro países europeus. Tem direção
do alemão Tom Tykwer, papel principal para australiana Cate Blanchett,
produção do americano Sydney Pollack e do inglês Anthony
Minghella, ambientação em Turim, diálogos bilingues
(inglês/italiano) e, talvez o mais importante para sua campanha
de marketing, roteiro com carimbo do polonês Krzysztof Kieslowski,
morto em 1996, mas ainda um grife envernizada no circuito de arte. Ele
co-escreveu a história com Krzysztof Piesiewicz, parceiro em todos
a série Decálogo, na Trilogia das Cores e
em A Dupla Vida de Veronique.
Essa engenharia de
produção não significaria nada se por caso não
interferisse na imprecisão e na impessoalidade do resultado. Não
parece ser difícil imaginar que, com produtores de peso em seu
cangote e uma companhia da pesada a espiá-lo, o diretor tenha baixado
a cabeça. Assim pelo menos dá a impressão. Paraíso
é aquele tipo de filme que parece feito por muita gente, mas, ao
mesmo tempo, não transmite a convicção de nenhum
dos envolvidos. Essa ausência de postura está na própria
dramaturgia. Ao por em discussão o crime cometido por sua heróina,
que mata um traficante por vingança pessoal e justiça comunitária,
o filme foge do questionamento ético sobre o ato dela. Justamente
a alma de uma das maiores obras do motor intelectual da história,
Kieslowski, que problematizou a questão do assassinato como punição
em Não Matarás.
Os primeiros segundos
mostram as manobras virtuais de alguém em um simulador de vôo
de helicóptero. Sem sabermos quem é o piloto, vemos seu
fracasso na operação. Voa alto demais e acaba caindo. Diante
da queda, ele pergunta: "até que altura posso subir? ".
As situações a seguir mostrarão uma queda, pela violência,
pelo acaso e pela culpa, e a posterior tentativa de ascese, agora pelo
justiça e pelo martírio. Essa jornada espiritual é
cumprida por uma professora de inglês (Cate Blanchett), presa por
uma polícia italiana envenenada pela corrupção, depois
de cometido um atentado em um prédio, cujo alvo era um narcotraficante
de bem com o poder, mas cujas vítimas foram quatro pessoas de bem
com a humanidade, entre as quais duas crianças. Com a ajuda de
um oficial novato, ela foge da prisão e é perseguida. Para
corrigir seu erro, na verdade erro do destino, tenta matar novamente.
Não deixa de
ser um dado interessante o fato da protagonista ser presa como terrorista
política. Em um momento histórico sem clareza de causas,
o terrorismo ideológico dá lugar ao terrorismo moral. Ela
mata para limpar o mundo de quem o está contaminando. Age como
uma messiânica para o bem da coletividade. Também vinga a
morte do marido por overdose. Portanto, causa moral e pessoal. Em todo
o caso, fins justificam meios, sob sua ótica. Se a polícia
não cumpre seu papel, por estar com as mãos sujas, alguém
tem de ocupar esse hiato. Seu jovem parceiro de fuga legitima a atitude
da amada. O filme também compreende de tal forma a ação
do anjo vingador que parece estar assinando embaixo de tal procedimento.
Impossível saber como Kieslowski faria esse filme, mas, cá
entre nós, dá para desconfiar que não seria desse
jeito.
Em um dado momento,
no qual a heroína está sendo interrogada, nega-se a falar
em italiano, conforme a lei lhe reserva o direito. Os policiais se espantam
com a decisão e ficam sem saber como tocar o interrogatório.
Só conseguem porque o taquigrafo, o tal jovem que ajudará
Cate, oferece-se como intérprete. Chegamos aqui em um ponto crucial
de Paraíso. Não há outra razão para
o filme se passar na Itália a não se para mostrar a calamidade
geral do país. Não só do ponto de vista político
e moral, mas pela própria ignorância do povo, representado
pela condição monoglota, portanto arcaica e inferior, das
patéticas autoridades da polícia. Ah, esses latinos, que
grosseiros, parece dizer o filme.
Tom Tykwer dirige
esse material em busca de uma transcendência nunca alcançada.
Apoia-se na trilha-sonora de Alvo Part, o compositor de algumas das inserções
musicais de Elogio ao Amor, de Jean-Luc Godard, para fazer as situações
terem significados superiores aos fatos. Mas algo está sempre a
escapar da elevação, mantendo os acontecimentos no andar
térreo do ordinário. Nem mesmo os significados em aberto
se beneficiam dessa condição. Parecem apenas carentes de
significado. Tal sensação é gerada pelo apreço
à trama, aos macetes de roteiros, aos detalhes para causar sensação,
mesmo sendo este, na essência, um projeto intimista e psicológico,
que busca a reflexão e não o efeito do espetáculo.
Seria esse o objetivo desse cinema de arte de Hollywood – via Miramax?
Espetacularizar até o impalpável? Acima das suspeitas, portanto,
apenas Cate Blanchett. Seja pela capacidade de seus olhares, pela verdade
de suas alterações faciais ou pela beleza sutil de seu conjunto.
Seria ela o paraíso?
Cléber Eduardo
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