O
Filho da Noiva,
de Juan José Campanella
El
hijo de la novia, Argentina/Espanha, 2001
No recente Festival de Gramado, uma parte da crítica brasileira
optou por criticar a premiação de O filho da noiva,
fazendo pouco do fato de que seja "apenas um filme correto". Esta mesma
crítica que parece gritar pela renovação de linguagem
é a que consagra Amores brutos e Lavoura arcaica
como o supra-sumo do cinema feito no mundo hoje. Ou seja: não é
preciso ser de fato renovador, há que se "parecer" renovador. Crianças
costumam se distrair com chocalhos balançados na frente dos olhos,
e maravilhar-se com a novidade deles. É muito mais difícil
(e requer uma passagem de maturação do olhar) olhar fundo
ao que na aparência pareça desinteressante, não faça
barulhinhos engraçados ou não chame a atenção
para si mesmo.
Pois assim é
este belíssimo filme chamado O filho da noiva. Claro, podemos
olhá-lo pela superfície como um quase-melodrama sobre a
tentativa de um filho de achar o amor ao mesmo tempo em que tenta ajudar
o pai a encontrar a sua felicidade com a mãe doente. Mas, é
pouco, é bem pouco. Para começar porque na chave do "quase"
está boa parte do segredo do filme. Pois se há sim aspectos
melodramáticos (excepcionalmente trabalhados), eles são
quebrados constantemente por um humor ferino e altamente corrosivo. O
retrato da doença mental consegue ser sensível sem, em nenhum
momento, ser piegas. Conseguimos rir e nos emocionar com a mãe
com Alzheimer, coisa por exemplo que o recente Uma canção
para Martin não permitia. A doença é extremamente
dramática, mas muitas vezes é hilária também,
como quem já passou por ela sabe.
A chave para o entendimento
maior do filme, que passa obrigatoriamente por este entendimento de que
a vida é esse algo que está entre a alegria extrema e a
tristeza profunda, vem de uma frase logo no início do filme. Quando
um personagem questiona as dificuldades da recente crise argentina, o
personagem diz: "Mas, quando não estivemos em crise?" É
esta memória de viver em crise (absolutamente comum a brasileiros
e argentinos) que serve de entendimento ao filme. No caos, a beleza.
Diga-se que um dos
aspectos mais belos do filme é justamente este de trazer a atualidade
do momento sócio-econômico argentino para um drama pessoal.
Ou seja, não se trata de fazer um manifesto sobre a crise, não
muito menos ignorá-la. Resta ver como ela afeta a vida das pessoas.
Como as relações amorosas, familiares ou profissionais são
impregnadas por ela. Simplesmente esta capacidade de retratar o seu tempo
enquanto ele se desenvolve eleva o filme acima da maior parte da produção
latina recente. E tornar a crise cômica e dramática é
olhar para ela com os mesmos olhos com que somos forçados a olhá-la
todos os dias.
Há no filme
alguns conflitos esquemáticos tratados como tudo menos isso. Há
o conflito de gerações, há o conflito amoroso, há
o conflito entre os excessos do egoísmo e estar aberto aos outros.
Mas, são todos equalizados para funcionar nas chaves mais diversas
de dramaticidade, e nunca se tornam os únicos conflitos em cena,
pois assim é a vida: temos várias bolas no ar, e elas não
podem cair. Por isso, é essencial esquecer de algumas delas para
se concentrar nas outras, mas mais cedo ou mais tarde, precisamos voltar
àquela deixada para trás.
Excepcionalmente bem
atuado e filmado, O filho da noiva se dá ao luxo de ter
ainda pelo menos três cenas antológicas. A do casamento,
quase no final, pelo trabalho de atores impressionante. Mas as outras
duas são mais interessantes em termos de linguagem do que todos
os filmes "renovadores" recentes: primeiro a que envolve dois personagens
conversando como figurantes numa filmagem, que traz um tempo cômico
e dramático impressionante; e acima de tudo, a de uma discussão
amorosa pelo sistema de comunicação de um prédio,
que é um espetáculo de dilatação temporal
e expectativas. É difícil termos visto um filme latino recente,
inclua ele cachorros ou pés roçando em folhinhas, que toque
em tantas teclas, em tantos níveis, de forma tão bem sucedida
quanto este. Prêmios são uma bobagem, mas este aqui merece
todos os que receber.
Eduardo Valente
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