Domingo
Sangrento,
de Paul Greengrass
Bloody
Sunday, Reino Unido, 2002
A sequência
de abertura de Domingo Sangrento já deixa clara a intenção
de todo o filme: perseguir a qualquer custo uma lógica do confronto.
Dois discursos intercalados, em oposição direta, anunciam
o conflito iminente: um deles conclama os cidadãos irlandeses a
uma passeata pelos direitos civis, numa postura desafiadora; o outro promete
uma resposta agressiva à manifestação por parte do
comando do exército britânico.
A natureza do projeto
é de uma ambição impressionante: reconstituir na
forma de documentário jornalístico o massacre do "domingo
sangrento" trinta anos depois dos acontecimentos. O resultado alcançado
pelo roteirista e diretor Paul Greengrass, apesar das evidentes e abundantes
limitações, apresenta uma vitalidade e um sentido de urgência
surpreendentes no contexto do cinema britânico. E muito embora a
etapa principal da agenda de seu filme (a denúncia) seja cumprida
com eficácia, graças ao excepcional trabalho de câmera
e à montagem estrategicamente calculada para o máximo de
impacto, o apelo à mais barata dramaturgia de cunho social – aquela
que procura expor didaticamente os efeitos de uma determinada conjuntura
nas experiências individuais – compromete, e muito, o resultado
final.
Quatro relatos são
apresentados paralelamente: um acompanha o idealizador da marcha e membro
do parlamento, Ivan Cooper, em seus últimos preparativos para o
evento; outro procura demonstrar o ponto de vista dos "paras",
atiradores de uma tropa de elite do exército britânico sedentos
de sangue; um terceiro acompanha o alto comando da operação;
o último acompanha a desventura de um jovem católico irlandês
que se torna uma das vítimas do desastre. O interesse de cada história
varia de acordo com o objetivo pretendido e com o maior ou menor compromisso
com o esquematismo que orienta a coisa toda. As mais infelizes são,
sem dúvida, a do jovem católico e a dos "paras"
– que não chegam sequer a se tornarem personagens de fato, mas
dispositivos calculados, meros elementos discursivos sem qualquer estofo.
Estas narrativas convergem
no núcleo do filme, quando uma câmera frenética persegue
sem descanso cada detalhe do massacre. O fascínio – ou fetiche?
– da forma cede passagem ao fascínio pelas imagens de violência.
A intenção é a catarse; a reação é
a revolta. Não aquela que o filme pretende provocar a todo custo,
mas a que termina provocando pela opção nefasta de fazer
da barbárie e da violência matéria de espetáculo.
Fernando Verissimo
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