Cuide
das Minhas Coisas,
de Jeong Jae-eun
Goyanki-reul
butag-hae, Coréia, 2002
Passando longe dos estereótipos associados ao cinema oriental,
sejam estes temáticos (como o retrato de situações
ou personagens exóticos) ou estéticos (planos longos, narrativa
lenta, direção virtuosística) este filme sul-coreano
apresenta uma delicada crônica cotidiana sobre a vida de um grupo
de amigas que, após terminarem o ensino médio, buscam novos
rumos para sua sobrevivência, durante o árduo processo de
ingresso na vida adulta. A temática é universal e o filme
bem poderia se passar aqui no Brasil. Contrapondo a vaidosa e egoísta
Hae-joo, que vai trabalhar em uma grande empresa de Seul, à pobre
e introspectiva Ji-young, o diretor nos mostra o quão vazio e sem
perspectivas pode se tornar o futuro dos jovens neste mundo globalizado.
Mediando os dois extremos, temos a inquieta e inconformista Tae-hee, sempre
buscando saídas para sua pasmaceira familiar, profissional e amorosa.
Inseparáveis
durante os tempos de colégio, as meninas acabam separadas pela
vida, principalmente quando Hae-joo praticamente passa a ignorar seu passado
na cidade onde habitara e na qual permanecem as amigas. Já Ji-young
tem suas opções cada vez mais limitadas, fechando-se em
seu mundo interior, tentando anular a vida triste que leva, morando numa
favela com os avós, acompanhada do gatinho que achara na rua, pensando
em presentear Hae-joo em seu aniversário. Bastante interessante
é a forma com a qual o diretor retrata as maneiras através
das quais as meninas se relacionam com o gato em questão, como
reflexo do relacionamento entre elas próprias. Ao devolvê-lo
a Ji-young, alegando não ter tempo para cuidar do presente, Hae-joo
decisivamente renega seu passado, aumentando a distância entre ela
e a amiga pobre, à qual passa a ver cada vez mais como apenas uma
figura esquisita. Ji-young então passa a dedicar-se ao bichano,
talvez da forma que desejasse que alguém fizesse por ela. Quando,
após uma trajédia que acomete Ji-young, chega a vez de Tae-hee
tomar conta do gatinho, esta percebe que é hora de optar por assumir
sua responsabilidade para com a amiga, transformando em realidade seu
eterno sonho de saír do país em busca de novos horizontes.
Em um clima sempre
triste, mas nunca depressivo, Cuide das minhas coisas acaba por
se mostrar um carinhoso retrato de um momento chave de nossas trajetórias
pessoais. Aquele no qual o surgimento (ou não) de novos horizontes
leva a uma perda de afinidades com as pessoas com as quais nos relacionávamos
até um passado recente, e que nos pareciam tão próximas,
ou mesmo com nossas próprias personalidades, então num constante
processo de formação e mutação. Jeong Jae-eun
trata suas personagens com ternura, porém sem condescendência,
conseguindo fazer deste filme mais que uma agridoce narrativa sobre o
amadurecimento, mas sim uma reflexão sobre a imprevisibilidade
e efemeridade da vida.
Gilberto Silva Jr.
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