A
Agenda,
de Laurent Cantet
L'emploi du temps, França,
2001
Poderíamos
elogiar este novo filme de Cantet por uma série de motivos, desde
a atuação precisa dos seus atores, até o rigor da
mise-en-scéne, até o uso dramático
mas contido da trilha sonora. Todos seriam elogios justíssimos.
Mas é preciso perceber aquele que é o grande diferencial
do filme, na verdade a grande aposta corajosa que faz deste um filme maior:
acompanhamos quase 100% do tempo um personagem cuja relação
com o mundo que o cerca não está clara para nós,
vai se construindo bem aos poucos. Esta opção é corajosa
pelo simples fato de que o espectador sempre pede um ponto de identificação,
uma porta de entrada para a fruição de um filme. Geralmente,
no cinema clássico narrativo (e não se pode de jeito nenhum
deixar de filiar este filme neste filão), isso se dá pelos
personagens, pintados de forma a, mesmo no caso de alguns anti-heróis
ou vilões, conseguirem a adesão do espectador.
Cantet quebra com
esta lógica já nos primeiros planos, ao claramente nos jogar
no meio de uma situação, de um momento estabelecido da vida
do personagem. Daí por diante, vai exacerbando a estranheza com
atitudes cada vez menos fáceis de compreender por parte dele, que
vão desconcertando e enchendo de pistas falsas o espectador. E
a principal qualidade deste método é que ele se aplica perfeitamente
à história que ele quer contar. Porque na verdade é
a história de um homem vivendo em meio a um processo de auto-engano,
de se convencer de uma coisa para não lidar com a realidade. Então,
se vamos nos identificar com ele, precisamos estar tão confusos
quanto ele está. Mas, coerente ou não, isso não muda
o fato de que é preciso muita coragem para fazer um filme que,
muitas vezes, é frio e distante. É preciso que o espectador
esteja preparado para entrar nesta jornada, porque por outro lado quando
ela vai se desvendando, perto do final, a sensação de compreensão,
de empatia, é proporcionalmente enorme.
Porque no fundo, o
retrato de Cantet é universal, altamente ligado a este momento
do mundo. Flagra um profissional, um pai de família, tendo que
lidar com uma realidade para a qual não foi preparado. Enfrentando
um misto de vergonha, medo, e sensação completa de inutilidade.
E este retrato, uma vez estabelecido, é de inegável e enorme
identificação com qualquer pessoa com um pingo de senso
de realidade. Tanto sabe disso o diretor, que após um plano belíssimo,
que aparenta ser o final do filme, mas que dava a este uma qualidade quase
mítica e irreal, ele volta com uma última sequência
que busca tão somente banalizar o drama, no sentido de trazê-lo
à normalidade que pode permitir ao espectador sentir-se como aquele
homem. E configura o filme, ao final, como uma metafórica descida
ao Inferno, mas não uma descida ao Inferno filmada como tal de
cara, exagerada, arrasadora. Uma descida muito mais lenta, sutil, e por
isso mesmo, real. Ao final, o que o diretor parece indicar é que
mesmo o Inferno tem porta de saída. Difícil é agüentar
a espera pela sua chegada. Mas, assim como acontece com o espectador que
se dispõe a acompanhar o drama frio da existência deste homem,
os que esperam são recompensados. De alguma forma.
Eduardo Valente
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