A
Festa Nunca Termina,
de Michael Winterbottom
24
Hour Party People, Inglaterra, 2002
O único mérito
de A Festa Nunca Termina é mostrar o quanto Velvet Goldmine
é bom. Ao contrário desse, este desengonçado filme
de Michael Winterbottom não nos dá a mínima idéia
da música ou dos movimentos musicais do período narrado.
Pior: faz tudo para fugir da possibilidade de mostrar por que aquelas
músicas e os conjuntos que os compuseram merecem o patamar de ícones
da música pop. Assim, para falar das gravações do
primeiro disco do Joy Division, o diretor mostra como o baixista não
sabe tocar o instrumento, como o produtor é excêntrico ao
desmontar a bateria para colocá-la no teto do prédio, como
as intermináveis sessões não dão prazer a
ninguém... Da mesma forma, a "explicação"
para o balanço dos Happy Mondays não reside nem na música
nem no talento do cantor Shaun Ryder, mas no momento em que Bez, um amigo
da banda, entra no palco e começa a dançar.
Se Velvet Goldmine
ancora sua narração num fã para melhor se apoderar
da adesão incondicional e do universo que a música cria
para ele, A Festa Nunca Termina é apresentado (apresentado
de fato, com narração off [ou on até],
olhos na câmera, informações didáticas, além
do inescapável wit britânico ajuntado) pelo produtor
e dono de gravadora Tony Wilson, empresário das bandas e administrador
do Hacienda, o clube noturno onde as bandas se apresentavam. A escolha
não é à toa, e delimita todo o interesse do filme:
nunca se fala em música, mas sempre tem gente para falar o que
"é quente", para fazer as comparações mais
esdrúxulas ("no Hacienda, Manchester era como Paris na Revolução
Francesa") e de quebra observar algumas das piores coisas que a TV
britânica pode proporcionar (Tony Wilson entrevistando um anão
que cuida de elefantes). De música, mesmo, só algumas pequenas
inserções, apresentadas por um grafismo clipeiro de gosto
duvidoso anunciando a banda em questão. De Ian Curtis, poeta e
frontman importante, o filme só registra o lado freak: canta quase
sem abrir a boca, dança com trejeitos de quem toma eletrochoque.
De seu suicídio trágico, dá uma versão factual
(sim, coincidência ou não, ele enforcou-se depois de assistir
a Stroszek de Werner Herzog) filmada de forma sumária e protocolar,
como que só por ter obrigação de contar: o filme
começa na TV, ele caminha pela casa. Próximo corte, a cena
final do filme atrás e duas pernas balançando acima do sofá.
Se não nos
aproximamos da música nem dos personagens que faziam a música,
temos pelo menos algumas cenas constrangedoras: em montagem trash, pombos
lutam contra os dois irmãos dos Happy Mondays que envenenam pão
e dão de comer a eles, ou então as superimpressões
que mostram os atores do filme pulando num show (de arquivo, naturalmente)
dos Sex Pistols em 1976. Pensava-se que Winterbottm faria um filme formalmente
correto e sem criatividade ou graça, como é de seu feitio.
Fez pior: uma espécie de inventário de causos e de fofocas
à la Nélson Rubens, um filme escandaloso à moda das
romanceadas "biografias não-autorizadas", que conta inúmeros
segredos de alcova (Vocês sabiam que os Happy Mondays venderam até
a roupa em troca de drogas?) mas que em nenhum momento toca no assunto
que motivou o filme, a música. Tem quem goste.
Ruy Gardnier
P.S.: O grupo New
Order, inacreditavelmente coadjuvante na história (imagina-se que
por ter menos escândalos que os protagonistas do filme), tem até
hoje o melhor audiovisual que dá conta da música-Manchester:
trata-se do clip de "Perfect Kiss", apresentação
ao vivo no estúdio que capta toda a fragilidade e a vontade de
fazer música. Que os interessados se dirijam ao lugar devido.
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